segunda-feira, 28 de julho de 2014

Dor silenciada, vida desapropriada: The Magdalene Sisters e Philomena


Dor silenciada, vida desapropriada: The Magdalene Sisters e Philomena
Por Ana Lucia Gondim Bastos

 
 


Em lavanderias de conventos irlandeses (e não só irlandeses, mas de outras partes da Europa e América do Norte), até o final do século XX, mulheres, blindadas do pecado pelos votos de castidade, cuidavam da expiação dos pecados  de outras mulheres que deixaram escapar pistas de que sua sexualidade não estaria completamente regulada pelos ditames sociais do “crescei e multiplicai-vos” pós casamento. Ou ainda, daquelas que precisaram ser culpabilizadas pela violência que sofriam, para não desestabilizar a ordem vigente. Em The Magdalene Sisters (Em Nome de Deus, 2002), Peter Mullan apresenta o cotidiano de humilhações de quatro irmãs Magdalenas, como eram chamadas essas moças em referência à figura bíblica de Maria Madalena: uma que fora estuprada pelo primo numa festa de família, uma órfã cuja beleza provocava o desejo sexual dos rapazes e duas mães solteiras. A história de mulheres alijadas de suas histórias para apagar marcas do pecado.
Anos mais tarde, Philomena de Stephen Frears (2013) apresenta, com muita delicadeza, a história de um segredo guardado a sete chaves por cinquenta anos. Um segredo nascido num convento daqueles e trancado pela culpa assumida e pela inevitabilidade do reconhecimento de que houve, sim, prazer no dia do encontro com um moço muito bonito e sedutor que fez do passeio no parque, um dia especial. Um dia que custou a Philomena anos de trabalho escravo na lavanderia das freiras e lhe apresentou, mesmo que de forma limitada pela opressão do ambiente, o prazer na maternidade. Maternidade que logo, também, lhe foi negada e silenciada por cinquenta anos. Trata-se de um filme sobre buscas de “fio de meada” para se continuar vivendo. O encontro de um jornalista que tenta retomar sua trajetória depois de uma mudança de rota profissional e de uma mulher idosa que fora na juventude uma irmã Magdalene, os dois em busca de um fio de meada para continuar tecendo suas tramas e urdiduras históricas. Um encontro também entre a história de uma mãe e a história de um filho que, distantes, compartilharam a dor da exigência de uma parte da vida silenciada e outra parte desconhecida.
Dois filmes que trazem a reflexão sobre os porquês do alijamento social, sobre a dor que causa e sobre o prejuízo histórico que acarreta, seja no âmbito social, seja no individual.

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