Dor silenciada, vida desapropriada: The
Magdalene Sisters e Philomena
Por Ana Lucia Gondim Bastos
Em lavanderias de conventos irlandeses (e não só
irlandeses, mas de outras partes da Europa e América do Norte), até o final do
século XX, mulheres, blindadas do pecado pelos votos de castidade, cuidavam da
expiação dos pecados de outras mulheres
que deixaram escapar pistas de que sua sexualidade não estaria completamente
regulada pelos ditames sociais do “crescei e multiplicai-vos” pós casamento. Ou
ainda, daquelas que precisaram ser culpabilizadas pela violência que sofriam,
para não desestabilizar a ordem vigente. Em The Magdalene Sisters (Em Nome de
Deus, 2002), Peter Mullan apresenta o cotidiano de humilhações de quatro irmãs
Magdalenas, como eram chamadas essas moças em referência à figura bíblica de
Maria Madalena: uma que fora estuprada pelo primo numa festa de família, uma
órfã cuja beleza provocava o desejo sexual dos rapazes e duas mães solteiras. A
história de mulheres alijadas de suas histórias para apagar marcas do pecado.
Anos mais tarde, Philomena de Stephen
Frears (2013) apresenta, com muita
delicadeza, a história de um segredo guardado a sete chaves por cinquenta anos.
Um segredo nascido num convento daqueles e trancado pela culpa assumida e pela
inevitabilidade do reconhecimento de que houve, sim, prazer no dia do encontro
com um moço muito bonito e sedutor que fez do passeio no parque, um dia
especial. Um dia que custou a Philomena anos de trabalho escravo na lavanderia
das freiras e lhe apresentou, mesmo que de forma limitada pela opressão do
ambiente, o prazer na maternidade. Maternidade que logo, também, lhe foi negada
e silenciada por cinquenta anos. Trata-se de um filme sobre buscas de “fio de
meada” para se continuar vivendo. O encontro de um jornalista que tenta retomar
sua trajetória depois de uma mudança de rota profissional e de uma mulher idosa
que fora na juventude uma irmã Magdalene, os dois em busca de um fio de meada
para continuar tecendo suas tramas e urdiduras históricas. Um encontro também
entre a história de uma mãe e a história de um filho que, distantes,
compartilharam a dor da exigência de uma parte da vida silenciada e outra parte
desconhecida.
Dois filmes que trazem a reflexão sobre os porquês do
alijamento social, sobre a dor que causa e sobre o prejuízo histórico que
acarreta, seja no âmbito social, seja no individual.
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