Janelas Secretas e Portas de
Coraline
Por Ana Lucia
Gondim Bastos
Entre
a realidade interna e a externa, aquela compartilhada com muita gente, existem
portas e janelas. Só criamos coisas novas ou, mais ainda, só nos comportamos de
modo espontâneo ou enxergamos o mundo de uma forma original, por conta dessas
passagens secretas. Secretas por nunca sabermos exatamente onde estão
posicionadas e por chegarmos a duvidar de suas existências. Mas, elas estão lá,
nos fazendo perceber o mundo forma particular e nos permitindo apresentar um
jeito de ser único e irrepetível! Elas, então, se revelam tanto em atitudes
cotidianas, quanto em grandes feitos e realizações. Mas, em momentos de dor
arrebatadora ou de maior vulnerabilidade, numa espécie de vendaval interno,
elas se abrem e se fecham com violência
e sem muito controle, ocasionando uma confusão entre o que é fantasia e
realidade e tornando nossos contornos identitários mais tênues do que nunca,
nos fazendo duvidar, de forma absolutamente desconcertante, acerca do que
somos, do que queremos ou do que somos capazes. Nessas horas, o desconforto
emocional é intenso e nossas narrativas podem virar verdadeiros roteiros de
suspense.
Em
Janela Secreta (dirigido por David Koepp, 2004, e baseado
no livro homônimo escrito por Stephen King), Johnny Depp na pele do renomado
escritor Mort Rainey entra numa narrativa de suspense quando, num momento de
grande isolamento e falta de inspiração, um homem bate à sua porta exigindo
direitos autorais de uma história sua, supostamente roubada por Mort. Teriam as
histórias escapado por janelas secretas? De dentro para fora ou de fora para
dentro? O suspense se dá, justamente, quando esse tipo de dúvida se instaura e
as histórias, antes entrelaçadas na tessitura de tramas, agora, se misturam e
se confundem. É a sensação do perder o pé da história que venho contando, como
se os elementos da minha história pudessem fugir para fora de mim, para fora do
meu corpo, ou como se a história de outrem pudesse me invadir e me transformar em sei lá
o que! A experiência do inquietante, do familiar que aparece como estranho a mim,
que causa desconforto imediato e exige a busca por explicações que devolva o fio da meada da narrativa. Isso ou a
ameaça do desaparecimento das janelas e contornos que garantem a possibilidade
de continuar sendo no mundo.
Outro
tipo de passagem entre realidades se abre em Coraline (filme em stop-motion
baseado no livro de mesmo nome, do autor britânico Neil Gaiman, dirigido por Henry Selick, 2009). A criança de 11 anos encontra uma
passagem para um mundo onde tudo é do jeitinho que sonha. Pais atenciosos,
comida quentinha saindo na hora exata da fome, atenção na medida. Ao invés da
realidade interna transbordar e se misturar com a realidade externa, como na
Janela Secreta, Coraline escapa para um mundo no qual a realidade externa é
quase um mote ou uma inspiração para uma criação apenas comprometida com o desejo. Uma
porta que se fecha para o mundo. Mas, quando o desejo não pode garantir entrada
para criar raízes na realidade compartilhada, também entramos no suspense, no
perigo de nos perdermos... Coraline descobre a tempo que está em apuros e que a
passagem que parecia mágica contra sofrimentos mostra-se ameaça que pode lhe
roubar a vida e lhe arrancar os olhos.
Filmes envolventes de tirar
o fôlego e que nos fazem mais atentos e respeitosos quanto aos cuidados com
nossas (e com as dos outros) portas e janelas para o mundo.
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