terça-feira, 2 de setembro de 2014

Janelas Secretas e Portas de Coraline


Janelas Secretas e Portas de Coraline
Por Ana Lucia Gondim Bastos

Entre a realidade interna e a externa, aquela compartilhada com muita gente, existem portas e janelas. Só criamos coisas novas ou, mais ainda, só nos comportamos de modo espontâneo ou enxergamos o mundo de uma forma original, por conta dessas passagens secretas. Secretas por nunca sabermos exatamente onde estão posicionadas e por chegarmos a duvidar de suas existências. Mas, elas estão lá, nos fazendo perceber o mundo forma particular e nos permitindo apresentar um jeito de ser único e irrepetível! Elas, então, se revelam tanto em atitudes cotidianas, quanto em grandes feitos e realizações. Mas, em momentos de dor arrebatadora ou de maior vulnerabilidade, numa espécie de vendaval interno, elas se abrem e  se fecham com violência e sem muito controle, ocasionando uma confusão entre o que é fantasia e realidade e tornando nossos contornos identitários mais tênues do que nunca, nos fazendo duvidar, de forma absolutamente desconcertante, acerca do que somos, do que queremos ou do que somos capazes. Nessas horas, o desconforto emocional é intenso e nossas narrativas podem virar verdadeiros roteiros de suspense.
Em Janela Secreta (dirigido por David Koepp, 2004, e baseado no livro homônimo escrito por Stephen King), Johnny Depp na pele do renomado escritor Mort Rainey entra numa narrativa de suspense quando, num momento de grande isolamento e falta de inspiração, um homem bate à sua porta exigindo direitos autorais de uma história sua, supostamente roubada por Mort. Teriam as histórias escapado por janelas secretas? De dentro para fora ou de fora para dentro? O suspense se dá, justamente, quando esse tipo de dúvida se instaura e as histórias, antes entrelaçadas na tessitura de tramas, agora, se misturam e se confundem. É a sensação do perder o pé da história que venho contando, como se os elementos da minha história pudessem fugir para fora de mim, para fora do meu corpo, ou como se a história de outrem  pudesse me invadir e me transformar em sei lá o que! A experiência do inquietante, do familiar que aparece como estranho a mim, que causa desconforto imediato e exige a busca por explicações que  devolva o fio da meada da narrativa. Isso ou a ameaça do desaparecimento das janelas e contornos que garantem a possibilidade de continuar sendo no mundo.
Outro tipo de passagem entre realidades se abre em Coraline (filme em stop-motion baseado no livro de mesmo nome, do autor britânico Neil Gaiman, dirigido por Henry Selick, 2009). A criança de 11 anos encontra uma passagem para um mundo onde tudo é do jeitinho que sonha. Pais atenciosos, comida quentinha saindo na hora exata da fome, atenção na medida. Ao invés da realidade interna transbordar e se misturar com a realidade externa, como na Janela Secreta, Coraline escapa para um mundo no qual a realidade externa é quase um mote ou uma inspiração para uma criação apenas comprometida com o desejo. Uma porta que se fecha para o mundo. Mas, quando o desejo não pode garantir entrada para criar raízes na realidade compartilhada, também entramos no suspense, no perigo de nos perdermos... Coraline descobre a tempo que está em apuros e que a passagem que parecia mágica contra sofrimentos mostra-se ameaça que pode lhe roubar a vida e lhe arrancar os olhos.
Filmes envolventes de tirar o fôlego e que nos fazem mais atentos e respeitosos quanto aos cuidados com nossas (e com as dos outros) portas e janelas para o mundo.

Nenhum comentário: