Ana e os Lobos: sobre
o limite do nosso poder transformador
Por Ana Lucia Gondim
Bastos
novo endereço do blog: https://tecendoatrama.wordpress.com/
Mais
em uns casos do que nos outros, contudo de forma nenhuma incomum, é a vontade
de transformar o outro, vontade de abrir espaço para mudar um jeito de pensar, um
ponto de vista ou uma forma de se relacionar do outro com o mundo, que consideremos pouco produtiva ou danosa
para o contexto individual ou coletivo. À vezes é uma vontade fruto de genuína preocupação com o outro e/ou
com o mundo que compartilhamos com ele, às vezes, não. Muitas vezes vem de uma
reflexão crítica e de um mapeamento histórico sobre os porquês daquela
conformação de pensamento e atitude, outras vezes, não. Muitas vezes, ainda, tais
tentativas, geram embates, de fato, transformadores para ambos os lados.
Contudo, também muitas vezes, geram intolerância e destruição. A grande
diferença nos resultados das empreitadas por abrir novas janelas para o outro,
não reside apenas, ou principalmente, na intencionalidade ou forma como tais
tentativas acontecem. Reside, muito mais, na medida da disponibilidade desse
outro para mudança, ou pelo menos, para pensar sobre elas. Então, reside na
demanda de mudança proveniente de incômodo com seu modus operandi, incômodo que
precisa ser suficiente para promover movimentos na direção do novo. Sem tais
condições, as tentativas de transformar a ordem (ou a desordem) de outrem
serão, na melhor das hipóteses, estéreis.
Em
1972, a personagem de Geraldine Chaplin, no clássico “Ana e os Lobos”, do
genial Carlos Saura, já nos fazia pensar sobre isso tudo. Ela, uma jovem
inglesa, chega a uma mansão de campo na Espanha para cuidar das 3 crianças que
ali viviam, junto com seus pais, tios, a avó e muitos empregados. A
dinâmica da casa gira em torno da matriarca controladora e mimada que passa os
dias a demandar mil coisas, a ser carregada de um lado pra outro e a reclamar
sobre como nada é mais como antigamente. De tempos em tempos, tem crises
nervosas que a faz se debater no chão, momento de todos correrem para a acudir.
Os filhos são três: um místico que vive buscando a renúncia das satisfações do
corpo, um colecionador de armas e uniformes militares a quem é atribuído o
poder de manter a ordem e o pai das crianças, o único casado, que tem o sexo
como interesse central de sua vida. Através da relação, inicialmente de
fascínio e interesse, que cada um começa a estabelecer com Ana, vai se
revelando o caráter perigoso e mórbido da repetição, no universo asfixiante de
uma realidade sem brecha para que ar fresco possa entrar. Fatos estranhos
começam a ocorrer, proveniente das três facetas representadas pelos irmãos e,
surpresa, Ana vai percebendo que todos sabem a quem atribuir a responsabilidade
por tais ocorridos, percebe, também, que nada os espanta.
Quanto mais vai entendendo a dinâmica da casa, mais a moça vai se aproximando de
cada um integrantes e de suas manias. Nesse processo, vai buscando acesso ao universo
particular de cada integrante da casa e, em determinado momento, parece
imaginar ter conseguido entrada. Mas, ali, quando a mãe reclama do mal
funcionamento das coisas na atualidade, está apenas ressentida por ter perdido
o controle, ainda maior, que já teve. Ana, fica claro, teria sido contratada
para ser mais uma a manter a ordem das coisas e não para altera-la. Talvez, ela
venha a perceber isso tudo, tarde demais e o final dessas histórias, nesses
casos, são sempre tristes. Mas, a arte está aí, também, para nos permitir a
reflexão acerca das nossas escolhas cotidianas. Sem dúvida, onde e em que
investir nossa força criativa merece, sempre,
o foco de tais reflexões.
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