terça-feira, 24 de junho de 2014

E já era hora de se despedir...

                                     
E Já era Hora de se despedir ...
(mais uma do baú da Dona Saudade)
Por Ana Lucia Gondim Bastos


As histórias que contamos juntos sempre traziam uma atmosfera de muito calor. Algumas vezes o divã se tornou um barco em mar aberto ( o sal e o sol acompanharam nossas buscas pelo tesouro, guiados por mapas que advertiam quanto aos muitos perigos do caminho). Outras vezes, o tapete tornou-se um imenso deserto a ser atravessado... Foram quase dois anos de muitas aventuras compartilhadas e L., agora, parecia pronto para enfrentar os monstros do caminho, assim como (ou por isso mesmo) para se dar conta de suas limitações e fragilidades. Crescera e já era capaz, então, de perceber que poderia ainda ser muito feliz, a despeito de não confiar mais nos poderes de sua capa mágica. Teria mesmo que andar com os pés no chão! Mas, isso não seria empecilho para sonhar e fazer grandes planos. Ao contrário, seria com os pés no chão que poderia começar a construir seu futuro!
Então chegou a hora de se despedir de mim e de nosso espaço compartilhado, no qual pôde, por vezes, reconhecer que sua capa mágica não o faria voar, sem medo de perder o chão. Despedir-se parece sempre uma tarefa difícil, principalmente quando pensamos num garotinho de oito anos de idade. Mas, a verdade é que nem foi! Bem, dizer que não foi difícil, não quer dizer que não tenha implicado naquela dorzinha de aperto no peito, sabe?
L., com a sabedoria de um menino de oito anos (que, agora, não precisava se sentir mais velho, para se sentir mais forte e seguro), já lidava bem com encontros e despedidas. Sabia acolher bem a dor e a delícia de cada um e, mais, sabia reconhecer o momento de cada um. Assim, quando comecei a introduzir o tema da separação, buscando resgatar a memória do que havíamos vivido juntos, L. Admitiu que sentiria saudades e disse que talvez voltasse aos dezoito anos, quando sua vida fosse passar por novas mudanças... Mas,, agora, como aprendera com a avó: “a vida segue e tem que continuar”!
Depois dessa conversa, abriu a caixa de brinquedos (afinal, ainda estava longe dos dezoito anos). Pegou todos os bichos e soterrou em letras de madeira. Contou-me que eles teriam passado dois anos embaixo da areia do deserto, mas que teriam sobrevivido. Pegamos água e lavamos um a um, no intuito de refresca-los. Os bichos brincaram muito na água e, depois, voltaram para caixa da qual deveria fazer parte, advertiu ele, o livro do “Menino Maluquinho”. Sem compreender a profundidade do que falava, perguntei se queria colocar o livro na caixa, ao que ele me respondeu: - Não precisa! Só estou dizendo que mesmo fora da caixa, ele é da caixa!
Ainda bem que ele não perdera a paciência de me explicar as coisas que eu deixava escapar por me prender nas objetividades.
Bem, nosso tempo acabara e nos despedimos sabendo que na outra semana, então, encerraríamos aquele processo.
Na semana seguinte, L. Não pegou a caixa. Inicialmente escolheu pintar e um desenho muito colorido de um surfista pegando uma onda bem grande, ficou comigo. Um dia, talvez, volte para buscar, mas, a imagem de que já pode surfar grandes ondas, foi com ele. O sol, ainda muito forte, não mais castiga, ao contrário, é amigo do surfista.
Depois, pediu para que eu lesse histórias: A primeira escolhida por ele, Ä Misteriosa Caixa do contador de Histórias”, de Sergio Serrano. Um livro que fala sobre mudanças necessárias e ressignificações que vamos tendo que fazer vida afora. A segunda história, sugerida por mim, foi “Dona Saudade”.
E ele partiu confiante...
E eu fiquei confiante...