terça-feira, 22 de julho de 2014

Quais são as cores da Floresta sem cor?



Quais são as cores da Floresta sem cor?
Por Ana Lucia Gondim Bastos

Se perceber estrangeiro vagando na floresta alheia. Num lugar onde tudo o que é familiar se desnaturaliza, o que obviamente tinha determinadas cores, passa a poder não ter, no mundo do outro. Esse é o cenário do livro As Cores da Floresta sem Cor, de Ana Claudia Gondim Bastos. Um livro que fala sobre a falta (não só de cores) e sobre o encontro e a entrada com/no o mundo do outro. Um mundo diferente que assusta e angustia, mas que abre espaço para a criação! Fala também do incômodo de receber o outro no nosso mundo, um outro cheio de demandas e convicções trazidas de sua própria floresta que o faz estranhar as demandas e convicções que para nós, também, são tão naturais. A menina que não conhecia a falta de cor, entra no mundo do menino que não conhecia as cores e num primeiro momento nem o enxerga, tropeça no menino. Mas, num momento seguinte, o menino se levanta, fica frente a frente com aquela menina colorida, permite ter as bochechas pintadas e... a mágica se dá! Ambos percebem-se potentes para pintar o mundo com cores próprias e as coisas deixam de ser como sempre foram e como sempre viriam a ser se a falta não existisse – seja a falta de cor ou de espaço sem cor. Um encontro bonito, daqueles que a gente deseja ter muitos vida afora, mas, que só pode acontecer se estamos abertos para o novo e para a desconcertante experiência de passear na floresta alheia e para deixar que passeiem na nossa, permitindo que transformações mútuas ocorram. Então, quais seriam mesmo as cores da floresta sem cor? As que escolhermos juntos, vamos lá?

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Rubem Alves e a arte de fabricar pérolas


Rubem Alves e a arte de fabricar pérolas

Por Ana Lucia Gondim Bastos  
Para Juliana Felipe e Fernanda Gonzalés, com gratidão pelo reconhecimento


Ele dizia que escrevia histórias pelo motivo pelo qual as ostras fabricavam pérolas. Inevitavelmente, no decorrer de nossa existência, sejamos ostras ou gente,  pequenos grãos de areia entram,  nas conchas ou narrativas,  e ficam nos incomodando, machucando e nos limitando os movimentos. Incapazes de, simplesmente, expeli-los, as ostras fabricam pérolas no seu entorno. Nós, seres humanos, precisamos encontrar nossas formas de cuidar desses incômodos. Tem gente que escreve história, tem gente que escreve tese, tem gente que faz pesquisa, isso sem contar com os que fazem comida, constroem casas, bordam toalhas, inventam geringonças, pintam quadros, tocam instrumentos ou cuidam do jardim (só para dar uns poucos exemplos de formas de fabricar pérolas, à maneira de gente!). O ser humano é assim, nunca tem um jeito só de fazer a mesma coisa! O que pode representar um grão de areia, também varia muito de uma história para a outra e, para saber o quanto machucam, só mesmo vivendo aquela história. Então, cada um tem sua narrativa, sua história sendo protagonizada, a partir da qual vão surgindo seus grãos areia e alternativas de fabricação de pérolas para dar conta dessas “pedras no sapato”... Cada história é única e irrepetível e, portanto, para utilizar mais um ditado popular, “cada um sabe onde lhe aperta o calo”. Por outro lado, como diz Hannah Aredt, ninguém, também, é tão diferente um do outro. Se fossemos tão diferentes, nossas preocupações com a educação ou com a história se mostrariam inúteis, pois, se fosse esse o caso, em que nos interessaria fazer planos para as gerações futuras ou buscar conhecer o legado de gerações passadas? É por isso que Arendt diz que a condição humana é a de “paradoxal pluralidade de seres singulares”. Rubem Alves era daquelas pessoas que não só parecia lidar com essa paradoxalidade com maestria, como também, nos ajudava a lidar com a nossa!  Era assim que fabricava suas pérolas: ajudando os outros a buscar suas próprias fábricas.  As separações, os preconceitos e suas manifestações, a arrogância e a falta de escuta para o que o outro tem a dizer, eram alguns de seus grãos de areia mais trabalhados. E por mais que causassem dor, eram sempre cuidados com muita delicadeza para que produzissem uma abertura, em quem fosse ouvir suas histórias, e nunca um rechaçamento defensivo. Falava de forma mansa, clara e nada arrogante. Essa era a arte de Rubem Alves, a de nos emocionar com histórias de sementes temerosas a voar com o vento, de galos que viraram poetas ao se perceberem não responsáveis pelo nascer do sol, de pássaros encantados e tantos outros personagens tão parecidos com cada um de nós e ao mesmo tempo tão diferentes... Sinto muita tristeza por esse fabricador de pérolas de rara beleza ter nos deixado, mas muita gratidão pela quantidade de fábricas que ele ajudou a construir!