sexta-feira, 22 de maio de 2015

Novo endereço

Estamos de mudança. Há tempos eu estava a procurar uma forma de organizar meus textos de uma forma mais fácil de encontrá-los e mais gostosa de explorá-los. Foi aí que veio a ideia da mudança e, aos poucos, os textos escritos até aqui e mais os que ainda virão a ser escritos vão morar todos juntos no

                                            https://tecendoatrama.wordpress.com/

Espero que a mudança favoreça, ainda mais, as trocas e diálogos para os quais o Tecendo a Trama vem abrindo espaço!

sábado, 9 de maio de 2015

O encontro de Israel Galván e Akram Khan em “Torobaka”: Se perder e se achar, parte II


O encontro de Israel Galván e Akram Khan em “Torobaka”: Se perder e se achar, parte II
                                                            Por Ana Lucia Gondim Bastos
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O documentário de Win Wenders sobre Pina Bausch (2011), traz um imperativo da coreógrafa e bailarina alemã: “Dance, dance, otherwise we ere lost” (Dance, dance, senão estamos perdidos). Um imperativo que, de cara, tendo a defender. A dança integra, de modo muito particular e privilegiado, o que corpo e alma têm a dizer, integra o que é da ordem do suor  ao que é da ordem da lágrima, integra o peso do corpo com o das angústias existenciais, assim como a leveza dos movimentos  ao prazer da expressão subjetiva. Como só podemos acontecer no mundo a partir dessa integração, quem não encontra formas de perceber e se colocar nessa pulsação do mundo, está perdido. Perdido de quem? Me perguntava, então. E a resposta imediata era: perdido de si próprio.
Contudo, essa reflexão ganhou outra complexidade depois de assistir ao genial “Torobaka” de Israel Galván e Akram Khan, no Auditório do Ibirapuera, durante o Festival “O Boticário na Dança”(2015). Dois bailarinos e coreógrafos, com fama internacional, se juntam para idealizar um espetáculo. Falam línguas diferentes, inclusive as corporais - um é espanhol e dança flamenco, o outro inglês, de família de Bengali, e dança kathak. São reconhecidos pela capacidade de criar o novo e desafiar o convencional, sem perder suas raízes, partes delas, talvez compartilhadas, ainda que remotamente: Akran é de tradição indiana e Israel traz com o flamenco a tradição cigana, que, segundo consta, iniciou sua peregrinação mundo afora partindo da Índia. A primeira tem a vaca como animal sagrado, assim como o touro, na tradição flamenca, tem valor simbólico central. Daí o nome do espetáculo “Torobaka”, daí o ponto de partida para apresentar, um para o outro, seus movimentos e intencionalidades. Perceberam que jamais teriam a fluência necessária para expressar conteúdos mais profundos de suas experiências, na nova dança apresentada (coisa que, diga-se de passagem, também, acontece muito no quando das aquisições de novas línguas), mas seguiram o diálogo e, no fim, Akran continuou com seus pés descalços e com guizos nos tornozelos e Israel com seus sapatos de sapateado flamenco. Convidaram músicos de várias partes do mundo (belga, basco, austríaco etc.) e foram dançando, ora num diálogo que apresenta uma mesma sintonia, ora numa espécie de duelo, deixando muito evidente aproximações e distanciamentos, com os quais tecem o tecido do espetáculo. Lindo e tocante! Isso sem falar que, no caso da apresentação ter acontecido num auditório cujo fundo do palco se abre, como uma janela, para um parque e para uma larga e movimentada avenida que tangencia tal parque, e, em determinado momento, já no final do espetáculo - quando já estávamos completamente tomados pelo o que estava acontecendo no palco com pouca luz  e cor, ao mesmo tempo que muito som e movimento - a janela começou a se abrir e o vento frio do outono entrou junto com a paisagem “lá de fora”. Mais integração das ambivalências das experiências humanas, ali compactadas e entregues como um presente à plateia absorta. E, então, acaba o espetáculo e o imperativo de Pina me volta à cabeça de forma diferente: “Dance, Dance, senão estamos perdidos”, não só de nós mesmo, mas uns dos outros, também!

sábado, 2 de maio de 2015

Quando Meus Pais não estão em casa: bom filme para se assistir no dia do trabalho


Quando Meus Pais não estão em casa: bom filme para se assistir no dia do trabalho
                                            (para Ilza, pela parceria)
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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A participação da babá na formação de uma criança é, quase sempre, bem menosprezada. Aliás, mais frequente é a desconfiança em relação aos bons hábitos e bons tratos que elas (sim, quase sempre mulheres) possam vir a oferecer às crianças pelas quais se responsabilizarão quando os pais não estão em casa. Geralmente as justificativas de tal descrédito se apoiam em histórias particulares de maus tratos infantis, descobertos posteriormente. Contudo, acredito que o peso maior resida em nossas tradições escravocratas, que fazem com que deleguemos  os cuidados para com quem/ o que nos é mais caro e íntimo (nossa casa, nossos filhos etc.) a pessoas as quais desconsideramos o valor, por (ou para) nos sentirmos superiores. Mas, o fato é que, mesmo depois que as sinhás passaram a amamentar seus próprios filhos, temos gerações de crianças embaladas por babás que, muitas vezes, trazem novas e importantes referencias para toda a família,  para quem trabalha. Hoje, já não mais “mães pretas”, e cada vez com mais direitos e deveres bem estabelecidos, como qualquer outro profissional, as babás participam da educação das crianças de forma cuja relevância é difícil questionar.
O filme Singapurense de Anthony Chen (2015), fala disso de modo muito delicado. Conta a história de uma família de classe média, com um filho de dez anos e outro a caminho, que resolve contratar uma filipina para ser empregada doméstica e cuidar do  irascível Lim, quando os pais não estão em casa. Em meio a tensões de quem vive em um país em crise econômica, trabalhos exigentes e à espera por mais um filho, o casal pouco se comunica, fato agravado pela necessidade de estarem sempre tendo que se haver com problemas e reclamações provenientes de comportamentos de Lim. A criança é porta voz desse estado explosivo que a família tenta conter, mas, claro, difícil perceber: ele parece, apenas, uma típica “criança problema”. Num primeiro momento, como era de se esperar, a babá é mais um alvo da agressividade de Lim, mais uma representante de um mundo que parece não lhe caber e, ainda por cima, representante que precisa dormir no seu quarto, tomar seus espaços. Mas, é com a presença dela que Lim começa a ter quem o acompanhe mais de perto, conheça seu cotidiano, suas dificuldades e conquistas. Terry, a filipina, entra na família, abrindo uma janela, desnaturalizando seu modus vivendi. Por exemplo, em determinado momento Lim pergunta sobre o seu filho que ficou nas Filipinas e se surpreende ao saber que Terry havia deixado um bebê, para ir trabalhar em Singapura. Ela, então, pergunta o que faz a mãe de Lim ao contratar uma estranha para cuidar dele enquanto sai para trabalhar. Lim fica pensativo e vai valorizando e respeitando cada vez mais a presença e o trabalho de Terry. Vai, também, mudando de atitude, como acontece com todos aqueles que se dispõem a pensar. Assim, aos poucos, Terry vai aparecendo no filme como uma pessoa inteira, cheia de sonhos, dores, preocupações e histórias. Vai saindo do lugar da invisibilidade social, da “sombra” que acompanha a criança. Sai da condição de um ser sem rosto e sem voz, alguém que se pode negar a existência, quando assim parece oportuno aos patrões. Isso não só para Lim, mas para seus pais, também.
Acho uma reflexão importante, pensarmos sobre o lugar da empregada doméstica na família para a qual trabalha e, em particular, o da babá. Trabalhadores – ainda em sua esmagadora maioria mulheres - tão importantes, que agregam sentidos e influenciam na cultura familiar (através dos temperos, das músicas ou das conversas acerca de suas realidades tão díspares às dos seus patrões), são, tantas vezes, menosprezados. Pessoas que precisam ser empoderadas, não só para se sentirem tão merecedoras de direitos humanos e, portanto também os trabalhistas, como qualquer um, mas, principalmente, para (re)conhecer o valor do seu trabalho e poder fazê-lo com brilho no olho. Aquele brilho que só tem quem confia que tem um fazer transformador de realidades. Com certeza, todos saíram ganhando com isso!

quarta-feira, 22 de abril de 2015

O Sal da Terra


O Sal da Terra
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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Depois de assistir ao documentário “O Sal da Terra”, com a inevitável lembrança de “Pina” (outro belíssimo documentário dirigido por Win Wenders, 2011), fico com a forte convicção de que “Asas do Desejo” (http://analuciagbastos.blogspot.com.br/2015/03/asas-do-desejo.html ) só pode ser um filme autobiográfico!
Win Wenders deve ser um anjo que depois de muito sobrevoar a Terra e conhecer a intimidade das angústias e desassossegos humanos, caiu do céu, perdeu sua amadura celeste e veio conosco viver, para olhar pro mundo com as cores que só gente, bem gente, pode enxergar! Encantado com o que pôde começar a ver e a sentir, resolveu ser diretor de cinema e, depois de nos contar sobre seu segredo de forma tão explícita que mal pudemos acreditar, começou a escolher pessoas, cujas obras, poderiam nos fazer entender melhor o que a passagem bíblica “vós sois o sal da Terra e a luz do mundo” poderia significar e nos mostrar como, tal passagem, sugere uma transformação individual, que só poder ser vivida no coletivo.
Incrível, assistir ao “Sal da Terra” foi, para mim, uma experiência quase religiosa ao mesmo tempo que tudo que tem ali - imagens, gestos, texto - tudo é tão nosso, tão, dolorosamente, mundano! Aliás, todo o filme, em seus múltiplos aspectos, nos leva a perceber coexistências que, nem sempre, apesar de assim nos parecer, se traduzem em antagonismos. Ao contrário, podem ser entendidas como continuidades (tal como numa fita de Moebius, o dentro e o fora se apresentam de forma contínua). Sebastião Salgado é brasileiro, bem brasileiro! Mas, para além (ou aquém) de qualquer coisa, é um fotografo que retrata, com a mesma sensibilidade, histórias de qualquer lugar do mundo. Sim, a linguagem dele é universal, assim como sua preocupação, fica claro, é com o ser humano de forma abrangente; com tudo  o que a vida comporta de dores, de guerra, de desamparo, seja onde for. Da mesma forma, cada retrato é uma história individual congelada numa fração de segundo e, a expressão de cada um que se oferece ao registro, é a de quem encontrou um olhar atento à sua dor e à sua história, como única e irrepetível. Por outro lado, Sebastião vai atrás de histórias contadas por povos, por culturas e se intitula, em certo momento, um fotografo social. Outra dicotomia encontra-se entre o homem e a paisagem natural, ou entre o homem e as outras formas de vida no planeta. O fotografo social não perde sua identidade como tal ao olhar pro mundo em sua dimensão físico- geográfica, conta-nos e  nos convence, poeticamente, que fazemos parte de tudo isso e que temos tempo para cuidar do que destruímos, reparar para continuarmos existindo, e ainda, quem sabe, mais integrados, mais solidários e menos solitários. 

sábado, 18 de abril de 2015

Fale mais sobre isso...


Fale mais sobre isso...
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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Fale mais sobre isso... por que nunca está tudo resolvido, por que sempre existe o desejo de mudança, por que sempre bate forte a esperança ou por que lidar com tudo isso é sempre muito difícil? Fale mais sobre isso...
Escolher como profissão ouvir o que o outro tem a dizer sobre os “issos” de sua existência, implica ter que perceber os ecos disso, em sua própria história. Implica em acreditar na capacidade humana de transformar realidades e na força dos encontros humanos. Flavia Garrava Borges, sabe bem como é, formou-se em psicologia antes de “se lançar no imponderável”, como atriz. É assim que ela  descreve a entrada do terapeuta no universo de um paciente: um laçar-se no imponderável e é assim, também, imagino, que deva acontecer com um ator em relação ao universo de seus personagens. Então, a atriz/ psicóloga resolveu integrar as duas experiências e escrever um monólogo cômico sobre o tal imponderável. “O humor é um dom precioso e raro”, escreveu Freud em 1927, uma forma de olhar para as incertezas e para o desamparo com uma leveza possível. Foi através desse fio de leveza que Flavia optou nos conduzir pelo cotidiano de Laura, terapeuta de 40 anos, casada e mãe de um menino de 8 anos. Uma personagem que escolheu passar a vida com a incompletude e a vulnerabilidade, inerentes à condição humana, às claras. Seus cabelos, movimentos e fluxo de pensamento vão ficando progressivamente mais soltos, no decorrer do texto, evidenciando uma, também progressiva, entrega e aceitação de tal condição. Se o “Humor é Coisa Séria”, como diz Abrão Slavutzky  (2014), sua graça “tem o poder de abrir portas e corações, excita a vida e, se não salva, pode aliviar”, e é assim que saímos de “fale mais sobre isso...”, se não curados dos dissabores, capazes de dar boas risadas apesar deles ou por conta deles, mesmo!
 

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Cinderella


Cinderella
(para Flora, tão pequena e já com tanta atitude e coragem)
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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Apesar de estar longe de propor uma nova versão para o conto de fadas, transformado em animação, pelos Estúdios Disney, em 1950, o recém lançado longa metragem Cinderella, dirigido por Kenneth Branagh, traz elementos dignos de nota. A narrativa linear e sem surpresas, faz com que os bem pequenos consigam acompanhar, sem maiores dificuldades, o filme que traz cores e texturas que se apresentam como um convite a entrar num livro de contos encantados, daquelas edições especiais que, ainda hoje, enchem os olhos das crianças, nas prateleiras das livrarias ou nas mãos do adulto à beira da cama, na hora de dormir. Mas, não é exatamente, esse clima de magia, tampouco a narrativa linear, que faz com que o filme se apresente como uma opção interessante para um dia no cinema em companhia mirim.
 A história da Cinderella, começa com ela ainda bebê, crescendo numa família que tinha em seu cotidiano a valorização do olhar que se abre para a possibilidade de projetar novas realidades no mundo, percebendo-o de forma dinâmica e com encantamento e magia. Antes de morrer, sua mãe, deixa como herança o ensinamento de que o principal na vida é ter coragem e gentileza. Sim, Cinderella não se daria bem e encontraria a felicidade por ser bela e obediente, mas pelo cultivo da coragem e da gentileza, o que faz muita diferença! Assim, quando entram em cena a madrasta má (papel da excelente Cate Blanchett) e suas filhas Anastasia e Drisella, Cinderella não as recebe com subserviência e é invejada pela beleza, o que está em jogo, na relação desta Cinderella com os novos personagens de sua história, é a gentileza e a coragem de enfrentar “a barra da vida”. Anastasia e Driesella são tão bonitas ou inteligentes quanto Ciderella, o que lhes falta é atitude diante da vida e de seus projetos. Essa é a diferença entre elas. Enquanto as duas primeiras esperam que seus desejos se realizem por serem especiais, a última procura manter a crença nas relações com o mundo baseadas na generosidade e na força transformadora de realidades. Numa das vezes que sai galopando pela floresta, afim de se afastar um pouco do clima de animosidade de sua casa, após a morte de seu pai, Cinderella conhece um rapaz que acompanhava um grupo de caça e, com ele, trava um diálogo no qual questiona os porquês de fazermos as coisas como sempre foram, simplesmente, por repetição acrítica. O rapaz, em questão, que passaria a povoar sonhos e devaneios de Cinderella, tratava-se do príncipe herdeiro, mas ela desconhecia o fato. O príncipe, por outro lado, também encantou-se com a moça, novamente, menos pela beleza e mais pela forma como ela se colocou na conversa que travaram, fazendo com que o fizesse, inclusive, passar a discutir as regras reais através das quais só poderia se casar com uma princesa. Queria escolher alguém como sua companheira, alguém que o fizesse se sentir como se sentiu com aquela moça,  que o motivou a questionar os porque do “sempre assim” da vida. No final, o príncipe propõe um baile para todo o reino, na esperança de rever a moça com a qual se encantou. A madrasta e as irmãs rasgam o vestido que Cinderella arrumara para ir ao baile, é quando entra em cena a fada madrinha (outra atuação muito  boa de Helena Bonhan Carter) que transforma uma abobora em carruagem e ratos em cavalos e todo o “Bibidi-Bobidi-Boo”, velho nosso conhecido, até o tão aguardado reencontro do casal, separado pelas doze badaladas.
 Portanto, não podemos dizer que o novo filme da Cinderella é um grande marco para o cinema voltado ao público  infantil, mas, as mudanças sutis que traz no enredo, nos faz sair do cinema com menos receio de que, através das histórias que apresentamos para nossas meninas, estejamos a construir prisões em forma de castelos e  alternativas de caminho para o feminino sempre como sapatinhos de cristais: apenas encantadores pela beleza e fragilidade.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Mais Estranho que a Ficção


Mais Estranho que a Ficção
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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O que seria mais estranho que a ficção, senão a vida real? É o que nos perguntamos ao recebemos, como justificativa da queda de um Airbus que levava 150 pessoas, o suicídio do copiloto que antes de chocar deliberadamente o avião à montanha, trancou o piloto para fora da cabine de comando da aeronave. Isso tudo, meses depois de assistirmos, surpresos com a criatividade do roteiro, cena semelhante, numa das histórias do super comentado “Relatos Selvagens” de Damián Szifron  (2014). Desde que o relato selvagem mais inusitado do filme passou às primeiras páginas dos jornais de todo o mundo, não paramos de ouvir estratégias preventivas para esse tipo de acidente, assim como estatísticas a serviço de acalmar os corações angustiados dos que, mesmo antes do anúncio dessa tragédia, já não se sentiam à vontade em momentos nos quais o controle da situação estaria nas mãos de outrem. Mas, aí vem novo questionamento: quando temos, em nossas mãos, o controle da situação? Ou melhor, em algum momento temos tal controle?  O bem humorado filme  “Mais Estranho que a Ficção” de Marc Foster (2006), nos permite mergulhar em tais questões de maneira leve e divertida. E melhor ainda, nos oferece saída: aproveitar a vida com a intensidade e a tranquilidade daqueles para os quais nada mais resta, já que o controle absoluto não se tem, mesmo. Contudo, cientes de que alguns detalhes, que a vida comporta, sempre estarão ao alcance de nossas escolhas: como por exemplo trocar ideias e carinho com pessoas queridas ou satisfazer os sentidos com delícias que viram poesia ao serem degustadas, ouvidas, tocadas, olhadas ou cheiradas. Mas aí, vem outro questionamento, ainda: sem o controle, estaremos condenados à deriva?
No filme o protagonista, Harold Crick (papel de Will Ferrell), tem seu monotônico e repetitivo cotidiano de fiscal da receita federal alterado quando começa a ouvir uma voz feminina que narra e interpreta suas ações. Depois de procurar profissionais da saúde que só conseguem pensar em ajuda-lo dentro das possibilidades diagnosticas da psicopatologia, Harold busca a ajuda de um professor de literatura (papel do brilhante Dustin Hoffman), já que chegara à conclusão de que seria um personagem literário. O professor, sugere, então, que seu novo pupilo busque dicas, no seu dia a dia, se estaria vivendo numa comédia ou numa tragédia. Se estivesse numa comédia, se casaria e, no caso de estar vivendo uma tragédia, a morte seria iminente. Com tudo isso acontecendo na vida do pacato fiscal, não é difícil supor que a desorganização e a paixão passem a ter lugar de expressão. A partir daí o filme passa a ser uma discussão sobre possibilidades de se mudar narrativas, já que nosso herói se percebe numa tragédia, no mesmo momento no qual , mais do que nunca, quer viver para experimentar o que o amor pode lhe oferecer. Para isso, vai longe nas investigações acerca de quem tem poder sobre sua história e acaba conseguindo um cara-a-cara com sua criadora (papel, também digno de nota, de Ema Thompson). O encontro traz transformações profundas para o sentido que ambos vinham (ou não) construindo vida afora. Num roteiro engenhoso de Zach Helm , chegamos, junto com Harold, à dura conclusão de que nossas histórias não são tão livres, contam com várias condicionantes (sociais, culturais, psíquicas, biológicas etc.), mas que essas não são determinantes de nossas narrativas, pois podemos, não sem dor ou dificuldade, dialogar com elas para buscar novos rumos. Mas, isso está longe de significar o controle, mesmo quando estamos na cabine de comando... Então, carpe diem!