Mais Estranho que a Ficção
Por Ana Lucia Gondim Bastos
novo endereço do blog: https://tecendoatrama.wordpress.com/
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O que seria mais estranho que a ficção, senão a vida
real? É o que nos perguntamos ao recebemos, como justificativa da queda de um
Airbus que levava 150 pessoas, o suicídio do copiloto que antes de chocar
deliberadamente o avião à montanha, trancou o piloto para fora da cabine de
comando da aeronave. Isso tudo, meses depois de assistirmos, surpresos com a
criatividade do roteiro, cena semelhante, numa das histórias do super comentado
“Relatos Selvagens” de Damián Szifron (2014).
Desde que o relato selvagem mais inusitado do filme passou às primeiras páginas
dos jornais de todo o mundo, não paramos de ouvir estratégias preventivas para
esse tipo de acidente, assim como estatísticas a serviço de acalmar os corações
angustiados dos que, mesmo antes do anúncio dessa tragédia, já não se sentiam à
vontade em momentos nos quais o controle da situação estaria nas mãos de
outrem. Mas, aí vem novo questionamento: quando temos, em nossas mãos, o
controle da situação? Ou melhor, em algum momento temos tal controle? O bem humorado filme “Mais Estranho que a Ficção” de Marc Foster (2006),
nos permite mergulhar em tais questões de maneira leve e divertida. E melhor
ainda, nos oferece saída: aproveitar a vida com a intensidade e a
tranquilidade daqueles para os quais nada mais resta, já que o controle absoluto não se
tem, mesmo. Contudo, cientes de que alguns detalhes, que a vida comporta, sempre
estarão ao alcance de nossas escolhas: como por exemplo trocar ideias e carinho
com pessoas queridas ou satisfazer os sentidos com delícias que viram poesia ao
serem degustadas, ouvidas, tocadas, olhadas ou cheiradas. Mas aí, vem outro questionamento, ainda: sem o controle, estaremos condenados à deriva?
No filme o protagonista, Harold Crick (papel de Will
Ferrell), tem seu monotônico e repetitivo cotidiano de fiscal da receita
federal alterado quando começa a ouvir uma voz feminina que narra e interpreta
suas ações. Depois de procurar profissionais da saúde que só conseguem pensar
em ajuda-lo dentro das possibilidades diagnosticas da psicopatologia, Harold
busca a ajuda de um professor de literatura (papel do brilhante Dustin
Hoffman), já que chegara à conclusão de que seria um personagem literário. O
professor, sugere, então, que seu novo pupilo busque dicas, no seu dia a dia,
se estaria vivendo numa comédia ou numa tragédia. Se estivesse numa comédia, se
casaria e, no caso de estar vivendo uma tragédia, a morte seria iminente. Com
tudo isso acontecendo na vida do pacato fiscal, não é difícil supor que a desorganização
e a paixão passem a ter lugar de expressão. A partir daí o filme passa a ser
uma discussão sobre possibilidades de se mudar narrativas, já que nosso herói se
percebe numa tragédia, no mesmo momento no qual , mais do que nunca, quer viver
para experimentar o que o amor pode lhe oferecer. Para isso, vai longe nas
investigações acerca de quem tem poder sobre sua história e acaba conseguindo
um cara-a-cara com sua criadora (papel, também digno de nota, de Ema Thompson).
O encontro traz transformações profundas para o sentido que ambos vinham (ou
não) construindo vida afora. Num roteiro engenhoso de Zach Helm , chegamos,
junto com Harold, à dura conclusão de que nossas histórias não são tão livres,
contam com várias condicionantes (sociais, culturais, psíquicas, biológicas
etc.), mas que essas não são determinantes de nossas narrativas, pois podemos,
não sem dor ou dificuldade, dialogar com elas para buscar novos rumos. Mas,
isso está longe de significar o controle, mesmo quando estamos na cabine de
comando... Então, carpe diem!