sexta-feira, 3 de abril de 2015

Mais Estranho que a Ficção


Mais Estranho que a Ficção
Por Ana Lucia Gondim Bastos
novo endereço do blog: https://tecendoatrama.wordpress.com/

O que seria mais estranho que a ficção, senão a vida real? É o que nos perguntamos ao recebemos, como justificativa da queda de um Airbus que levava 150 pessoas, o suicídio do copiloto que antes de chocar deliberadamente o avião à montanha, trancou o piloto para fora da cabine de comando da aeronave. Isso tudo, meses depois de assistirmos, surpresos com a criatividade do roteiro, cena semelhante, numa das histórias do super comentado “Relatos Selvagens” de Damián Szifron  (2014). Desde que o relato selvagem mais inusitado do filme passou às primeiras páginas dos jornais de todo o mundo, não paramos de ouvir estratégias preventivas para esse tipo de acidente, assim como estatísticas a serviço de acalmar os corações angustiados dos que, mesmo antes do anúncio dessa tragédia, já não se sentiam à vontade em momentos nos quais o controle da situação estaria nas mãos de outrem. Mas, aí vem novo questionamento: quando temos, em nossas mãos, o controle da situação? Ou melhor, em algum momento temos tal controle?  O bem humorado filme  “Mais Estranho que a Ficção” de Marc Foster (2006), nos permite mergulhar em tais questões de maneira leve e divertida. E melhor ainda, nos oferece saída: aproveitar a vida com a intensidade e a tranquilidade daqueles para os quais nada mais resta, já que o controle absoluto não se tem, mesmo. Contudo, cientes de que alguns detalhes, que a vida comporta, sempre estarão ao alcance de nossas escolhas: como por exemplo trocar ideias e carinho com pessoas queridas ou satisfazer os sentidos com delícias que viram poesia ao serem degustadas, ouvidas, tocadas, olhadas ou cheiradas. Mas aí, vem outro questionamento, ainda: sem o controle, estaremos condenados à deriva?
No filme o protagonista, Harold Crick (papel de Will Ferrell), tem seu monotônico e repetitivo cotidiano de fiscal da receita federal alterado quando começa a ouvir uma voz feminina que narra e interpreta suas ações. Depois de procurar profissionais da saúde que só conseguem pensar em ajuda-lo dentro das possibilidades diagnosticas da psicopatologia, Harold busca a ajuda de um professor de literatura (papel do brilhante Dustin Hoffman), já que chegara à conclusão de que seria um personagem literário. O professor, sugere, então, que seu novo pupilo busque dicas, no seu dia a dia, se estaria vivendo numa comédia ou numa tragédia. Se estivesse numa comédia, se casaria e, no caso de estar vivendo uma tragédia, a morte seria iminente. Com tudo isso acontecendo na vida do pacato fiscal, não é difícil supor que a desorganização e a paixão passem a ter lugar de expressão. A partir daí o filme passa a ser uma discussão sobre possibilidades de se mudar narrativas, já que nosso herói se percebe numa tragédia, no mesmo momento no qual , mais do que nunca, quer viver para experimentar o que o amor pode lhe oferecer. Para isso, vai longe nas investigações acerca de quem tem poder sobre sua história e acaba conseguindo um cara-a-cara com sua criadora (papel, também digno de nota, de Ema Thompson). O encontro traz transformações profundas para o sentido que ambos vinham (ou não) construindo vida afora. Num roteiro engenhoso de Zach Helm , chegamos, junto com Harold, à dura conclusão de que nossas histórias não são tão livres, contam com várias condicionantes (sociais, culturais, psíquicas, biológicas etc.), mas que essas não são determinantes de nossas narrativas, pois podemos, não sem dor ou dificuldade, dialogar com elas para buscar novos rumos. Mas, isso está longe de significar o controle, mesmo quando estamos na cabine de comando... Então, carpe diem! 

domingo, 29 de março de 2015

Os Famintos ou Você tem fome de que – Parte II


Os Famintos ou Você tem fome de que – Parte II
Por Ana Lucia Gondim Bastos
novo endereço do blog: https://tecendoatrama.wordpress.com/ 


Comer com os olhos e com receios mil. Receio de engordar, de se intoxicar ou de se viciar e perder a linha? Por que vivemos famintos num mundo de excessos e de ofertas sempre muito sedutoras? É o que nos faz perguntar o premiado curta-metragem “Os Famintos” , com Biá Napolitani (que também assina o roteiro) e Diego Becker, dirigido por Ana Claudia Bastos (2008). No filme, as palavras não saem tanto quanto a comida não entra. O filme mudo trata de (in) satisfações e (im) possibilidades de se relacionar com o mundo e com o que ele pode nos oferecer seja para nos nutrir, seja como fonte de prazer. A atmosfera do filme nos remete a outrora, por um lado,  e o conteúdo, por outro, ao nosso universo de relações e satisfações virtuais, cuja sensação de controle é maior que qualquer outra e onde o prazer parece ali residir, principalmente. O filme dura poucos minutos, mas, os questionamentos que suscita, talvez a vida inteira.