Estamos de mudança. Há tempos eu estava a procurar uma forma de organizar meus textos de uma forma mais fácil de encontrá-los e mais gostosa de explorá-los. Foi aí que veio a ideia da mudança e, aos poucos, os textos escritos até aqui e mais os que ainda virão a ser escritos vão morar todos juntos no
https://tecendoatrama.wordpress.com/
Espero que a mudança favoreça, ainda mais, as trocas e diálogos para os quais o Tecendo a Trama vem abrindo espaço!
sexta-feira, 22 de maio de 2015
sábado, 9 de maio de 2015
O encontro de Israel Galván e Akram Khan em “Torobaka”: Se perder e se achar, parte II
O encontro de Israel Galván e Akram Khan em “Torobaka”: Se perder e se achar, parte II
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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O documentário de Win Wenders sobre
Pina Bausch (2011), traz um imperativo da coreógrafa e bailarina alemã: “Dance,
dance, otherwise we ere lost” (Dance, dance, senão estamos perdidos). Um
imperativo que, de cara, tendo a defender. A dança integra, de modo muito
particular e privilegiado, o que corpo e alma têm a dizer, integra o que é da
ordem do suor ao que é da ordem da lágrima, integra o peso do corpo com o das
angústias existenciais, assim como a leveza dos movimentos ao prazer da expressão subjetiva. Como só
podemos acontecer no mundo a partir dessa integração, quem não encontra formas
de perceber e se colocar nessa pulsação do mundo, está perdido. Perdido de
quem? Me perguntava, então. E a resposta imediata era: perdido de si próprio.
Contudo, essa reflexão ganhou outra
complexidade depois de assistir ao genial “Torobaka” de Israel Galván e Akram
Khan, no Auditório do Ibirapuera, durante o Festival “O Boticário na
Dança”(2015). Dois bailarinos e coreógrafos, com fama internacional, se juntam
para idealizar um espetáculo. Falam línguas diferentes, inclusive as corporais
- um é espanhol e dança flamenco, o outro inglês, de família de Bengali, e
dança kathak. São reconhecidos pela capacidade de criar o novo e desafiar o
convencional, sem perder suas raízes, partes delas, talvez compartilhadas,
ainda que remotamente: Akran é de tradição indiana e Israel traz com o flamenco
a tradição cigana, que, segundo consta, iniciou sua peregrinação mundo afora
partindo da Índia. A primeira tem a vaca como animal sagrado, assim como o
touro, na tradição flamenca, tem valor simbólico central. Daí o nome do espetáculo
“Torobaka”, daí o ponto de partida para apresentar, um para o outro, seus
movimentos e intencionalidades. Perceberam que jamais teriam a fluência
necessária para expressar conteúdos mais profundos de suas experiências, na
nova dança apresentada (coisa que, diga-se de passagem, também, acontece muito no quando das
aquisições de novas línguas), mas seguiram o diálogo e, no fim,
Akran continuou com seus pés descalços e com guizos nos tornozelos e Israel com
seus sapatos de sapateado flamenco. Convidaram músicos de várias partes do
mundo (belga, basco, austríaco etc.) e foram dançando, ora num diálogo que
apresenta uma mesma sintonia, ora numa espécie de duelo, deixando muito
evidente aproximações e distanciamentos, com os quais tecem o tecido do
espetáculo. Lindo e tocante! Isso sem falar que, no caso da apresentação ter
acontecido num auditório cujo fundo do palco se abre, como uma janela, para um
parque e para uma larga e movimentada avenida que tangencia tal parque, e, em
determinado momento, já no final do espetáculo - quando já estávamos
completamente tomados pelo o que estava acontecendo no palco com pouca luz e cor, ao mesmo tempo que muito som e
movimento - a janela começou a se abrir e o vento frio do outono entrou junto com
a paisagem “lá de fora”. Mais integração das ambivalências das experiências humanas,
ali compactadas e entregues como um presente à plateia absorta. E, então, acaba
o espetáculo e o imperativo de Pina me volta à cabeça de forma diferente:
“Dance, Dance, senão estamos perdidos”, não só de nós mesmo, mas uns dos outros,
também!
sábado, 2 de maio de 2015
Quando Meus Pais não estão em casa: bom filme para se assistir no dia do trabalho
Quando Meus Pais não
estão em casa: bom filme para se assistir no dia do trabalho
(para Ilza, pela parceria)
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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A participação da babá na formação
de uma criança é, quase sempre, bem menosprezada. Aliás, mais frequente é a
desconfiança em relação aos bons hábitos e bons tratos que elas (sim, quase
sempre mulheres) possam vir a oferecer às crianças pelas quais se
responsabilizarão quando os pais não estão em casa. Geralmente as
justificativas de tal descrédito se apoiam em histórias particulares de maus
tratos infantis, descobertos posteriormente. Contudo, acredito que o peso maior
resida em nossas tradições escravocratas, que fazem com que deleguemos os cuidados para com quem/ o que nos é mais caro e íntimo
(nossa casa, nossos filhos etc.) a pessoas as quais desconsideramos o valor,
por (ou para) nos sentirmos superiores. Mas, o fato é que, mesmo depois que as
sinhás passaram a amamentar seus próprios filhos, temos gerações de crianças embaladas
por babás que, muitas vezes, trazem novas e importantes referencias para toda a
família, para quem trabalha. Hoje, já não
mais “mães pretas”, e cada vez com mais direitos e deveres bem estabelecidos,
como qualquer outro profissional, as babás participam da educação das crianças de forma cuja
relevância é difícil questionar.
O filme Singapurense de Anthony Chen
(2015), fala disso de modo muito delicado. Conta a história de uma família de
classe média, com um filho de dez anos e outro a caminho, que resolve contratar
uma filipina para ser empregada doméstica e cuidar do irascível Lim, quando os pais não estão em
casa. Em meio a tensões de quem vive em um país em crise econômica, trabalhos
exigentes e à espera por mais um filho, o casal pouco se comunica, fato
agravado pela necessidade de estarem sempre tendo que se haver com problemas e
reclamações provenientes de comportamentos de Lim. A criança é porta voz desse
estado explosivo que a família tenta conter, mas, claro, difícil perceber: ele
parece, apenas, uma típica “criança problema”. Num primeiro momento, como era
de se esperar, a babá é mais um alvo da agressividade de Lim, mais uma
representante de um mundo que parece não lhe caber e, ainda por cima, representante que precisa
dormir no seu quarto, tomar seus espaços. Mas, é com a presença dela que Lim
começa a ter quem o acompanhe mais de perto, conheça seu cotidiano, suas dificuldades e
conquistas. Terry, a filipina, entra na família, abrindo uma janela,
desnaturalizando seu modus vivendi. Por exemplo, em determinado momento Lim
pergunta sobre o seu filho que ficou nas Filipinas e se surpreende ao saber que
Terry havia deixado um bebê, para ir trabalhar em Singapura. Ela, então,
pergunta o que faz a mãe de Lim ao contratar uma estranha para cuidar dele
enquanto sai para trabalhar. Lim fica pensativo e vai valorizando e respeitando
cada vez mais a presença e o trabalho de Terry. Vai, também, mudando de
atitude, como acontece com todos aqueles que se dispõem a pensar. Assim, aos
poucos, Terry vai aparecendo no filme como uma pessoa inteira, cheia de sonhos, dores, preocupações
e histórias. Vai saindo do lugar da invisibilidade social, da “sombra” que
acompanha a criança. Sai da condição de um ser sem rosto e sem voz, alguém que
se pode negar a existência, quando assim parece oportuno aos patrões. Isso não só
para Lim, mas para seus pais, também.
Acho uma reflexão importante,
pensarmos sobre o lugar da empregada doméstica na família para a qual trabalha
e, em particular, o da babá. Trabalhadores – ainda em sua esmagadora maioria
mulheres - tão importantes, que agregam sentidos e influenciam na cultura familiar
(através dos temperos, das músicas ou das conversas acerca de suas realidades
tão díspares às dos seus patrões), são, tantas vezes, menosprezados. Pessoas
que precisam ser empoderadas, não só para se sentirem tão merecedoras de
direitos humanos e, portanto também os trabalhistas, como qualquer um, mas,
principalmente, para (re)conhecer o valor do seu trabalho e poder fazê-lo com
brilho no olho. Aquele brilho que só tem quem confia que tem um fazer
transformador de realidades. Com certeza, todos saíram ganhando com isso!
quarta-feira, 22 de abril de 2015
O Sal da Terra
O Sal da Terra
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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Depois de assistir ao
documentário “O Sal da Terra”, com a inevitável lembrança de “Pina” (outro
belíssimo documentário dirigido por Win Wenders, 2011), fico com a forte convicção
de que “Asas do Desejo” (http://analuciagbastos.blogspot.com.br/2015/03/asas-do-desejo.html
) só pode ser um filme autobiográfico!
Win Wenders deve ser um anjo que depois de muito
sobrevoar a Terra e conhecer a intimidade das angústias e desassossegos
humanos, caiu do céu, perdeu sua amadura celeste e veio conosco viver, para
olhar pro mundo com as cores que só gente, bem gente, pode enxergar! Encantado
com o que pôde começar a ver e a sentir, resolveu ser diretor de cinema e,
depois de nos contar sobre seu segredo de forma tão explícita que mal pudemos
acreditar, começou a escolher pessoas, cujas obras, poderiam nos fazer entender
melhor o que a passagem bíblica “vós sois o sal da Terra e a luz do mundo”
poderia significar e nos mostrar como, tal passagem, sugere uma transformação
individual, que só poder ser vivida no coletivo.
Incrível, assistir ao “Sal da Terra” foi, para mim,
uma experiência quase religiosa ao mesmo tempo que tudo que tem ali - imagens,
gestos, texto - tudo é tão nosso, tão, dolorosamente, mundano! Aliás, todo o
filme, em seus múltiplos aspectos, nos leva a perceber coexistências que, nem
sempre, apesar de assim nos parecer, se traduzem em antagonismos. Ao contrário,
podem ser entendidas como continuidades (tal como numa fita de Moebius, o
dentro e o fora se apresentam de forma contínua). Sebastião Salgado é brasileiro,
bem brasileiro! Mas, para além (ou aquém) de qualquer coisa, é um fotografo que
retrata, com a mesma sensibilidade, histórias de qualquer lugar do mundo. Sim,
a linguagem dele é universal, assim como sua preocupação, fica claro, é com o
ser humano de forma abrangente; com tudo
o que a vida comporta de dores, de guerra, de desamparo, seja onde for.
Da mesma forma, cada retrato é uma história individual congelada numa fração de
segundo e, a expressão de cada um que se oferece ao registro, é a de quem
encontrou um olhar atento à sua dor e à sua história, como única e irrepetível.
Por outro lado, Sebastião vai atrás de histórias contadas por povos, por
culturas e se intitula, em certo momento, um fotografo social. Outra dicotomia
encontra-se entre o homem e a paisagem natural, ou entre o homem e as outras
formas de vida no planeta. O fotografo social não perde sua identidade como tal
ao olhar pro mundo em sua dimensão físico- geográfica, conta-nos e nos convence, poeticamente, que fazemos parte
de tudo isso e que temos tempo para cuidar do que destruímos, reparar para
continuarmos existindo, e ainda, quem sabe, mais integrados, mais solidários e
menos solitários.
sábado, 18 de abril de 2015
Fale mais sobre isso...
Fale mais sobre isso...
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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Escolher como profissão ouvir o que o outro tem a dizer sobre os “issos” de sua existência, implica ter que perceber os ecos disso, em sua própria história. Implica em acreditar na capacidade humana de transformar realidades e na força dos encontros humanos. Flavia Garrava Borges, sabe bem como é, formou-se em psicologia antes de “se lançar no imponderável”, como atriz. É assim que ela descreve a entrada do terapeuta no universo de um paciente: um laçar-se no imponderável e é assim, também, imagino, que deva acontecer com um ator em relação ao universo de seus personagens. Então, a atriz/ psicóloga resolveu integrar as duas experiências e escrever um monólogo cômico sobre o tal imponderável. “O humor é um dom precioso e raro”, escreveu Freud em 1927, uma forma de olhar para as incertezas e para o desamparo com uma leveza possível. Foi através desse fio de leveza que Flavia optou nos conduzir pelo cotidiano de Laura, terapeuta de 40 anos, casada e mãe de um menino de 8 anos. Uma personagem que escolheu passar a vida com a incompletude e a vulnerabilidade, inerentes à condição humana, às claras. Seus cabelos, movimentos e fluxo de pensamento vão ficando progressivamente mais soltos, no decorrer do texto, evidenciando uma, também progressiva, entrega e aceitação de tal condição. Se o “Humor é Coisa Séria”, como diz Abrão Slavutzky (2014), sua graça “tem o poder de abrir portas e corações, excita a vida e, se não salva, pode aliviar”, e é assim que saímos de “fale mais sobre isso...”, se não curados dos dissabores, capazes de dar boas risadas apesar deles ou por conta deles, mesmo!
quinta-feira, 16 de abril de 2015
Cinderella
Cinderella
(para Flora, tão pequena e já com tanta atitude e coragem)
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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Apesar
de estar longe de propor uma nova versão para o conto de fadas, transformado em
animação, pelos Estúdios Disney, em 1950, o recém lançado longa metragem
Cinderella, dirigido por Kenneth Branagh, traz elementos dignos de nota. A
narrativa linear e sem surpresas, faz com que os bem pequenos consigam
acompanhar, sem maiores dificuldades, o filme que traz cores e texturas que se
apresentam como um convite a entrar num livro de contos encantados, daquelas
edições especiais que, ainda hoje, enchem os olhos das crianças, nas
prateleiras das livrarias ou nas mãos do adulto à beira da cama, na hora de dormir.
Mas, não é exatamente, esse clima de magia, tampouco a narrativa linear, que
faz com que o filme se apresente como uma opção interessante para um dia no
cinema em companhia mirim.
A história da Cinderella, começa com ela ainda
bebê, crescendo numa família que tinha em seu cotidiano a valorização do olhar que
se abre para a possibilidade de projetar novas realidades no mundo,
percebendo-o de forma dinâmica e com encantamento e magia. Antes de morrer, sua
mãe, deixa como herança o ensinamento de que o principal na vida é ter coragem
e gentileza. Sim, Cinderella não se daria bem e encontraria a felicidade por
ser bela e obediente, mas pelo cultivo da coragem e da gentileza, o que faz
muita diferença! Assim, quando entram em cena a madrasta má (papel da excelente
Cate Blanchett) e suas filhas Anastasia e Drisella, Cinderella não as recebe
com subserviência e é invejada pela beleza, o que está em jogo, na relação
desta Cinderella com os novos personagens de sua história, é a gentileza e a
coragem de enfrentar “a barra da vida”. Anastasia e Driesella são tão bonitas
ou inteligentes quanto Ciderella, o que lhes falta é atitude diante da vida e
de seus projetos. Essa é a diferença entre elas. Enquanto as duas primeiras
esperam que seus desejos se realizem por serem especiais, a última procura
manter a crença nas relações com o mundo baseadas na generosidade e na força
transformadora de realidades. Numa das vezes que sai galopando pela floresta,
afim de se afastar um pouco do clima de animosidade de sua casa, após a morte
de seu pai, Cinderella conhece um rapaz que acompanhava um grupo de caça e, com
ele, trava um diálogo no qual questiona os porquês de fazermos as coisas como
sempre foram, simplesmente, por repetição acrítica. O rapaz, em questão, que
passaria a povoar sonhos e devaneios de Cinderella, tratava-se do príncipe
herdeiro, mas ela desconhecia o fato. O príncipe, por outro lado, também
encantou-se com a moça, novamente, menos pela beleza e mais pela forma como ela
se colocou na conversa que travaram, fazendo com que o fizesse, inclusive, passar
a discutir as regras reais através das quais só poderia se casar com uma
princesa. Queria escolher alguém como sua companheira, alguém que o fizesse se
sentir como se sentiu com aquela moça, que o motivou a questionar os porque do “sempre
assim” da vida. No final, o príncipe propõe um baile para todo o reino, na
esperança de rever a moça com a qual se encantou. A madrasta e as irmãs rasgam
o vestido que Cinderella arrumara para ir ao baile, é quando entra em cena a fada
madrinha (outra atuação muito boa de
Helena Bonhan Carter) que transforma uma abobora em carruagem e ratos em
cavalos e todo o “Bibidi-Bobidi-Boo”, velho nosso conhecido, até o tão aguardado
reencontro do casal, separado pelas doze badaladas.
Portanto, não podemos dizer que o novo filme
da Cinderella é um grande marco para o cinema voltado ao público infantil, mas, as mudanças sutis que traz no
enredo, nos faz sair do cinema com menos receio de que, através das histórias
que apresentamos para nossas meninas, estejamos a construir prisões em forma de
castelos e alternativas de caminho para
o feminino sempre como sapatinhos de cristais: apenas encantadores pela beleza
e fragilidade.
sexta-feira, 3 de abril de 2015
Mais Estranho que a Ficção
Mais Estranho que a Ficção
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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O que seria mais estranho que a ficção, senão a vida
real? É o que nos perguntamos ao recebemos, como justificativa da queda de um
Airbus que levava 150 pessoas, o suicídio do copiloto que antes de chocar
deliberadamente o avião à montanha, trancou o piloto para fora da cabine de
comando da aeronave. Isso tudo, meses depois de assistirmos, surpresos com a
criatividade do roteiro, cena semelhante, numa das histórias do super comentado
“Relatos Selvagens” de Damián Szifron (2014).
Desde que o relato selvagem mais inusitado do filme passou às primeiras páginas
dos jornais de todo o mundo, não paramos de ouvir estratégias preventivas para
esse tipo de acidente, assim como estatísticas a serviço de acalmar os corações
angustiados dos que, mesmo antes do anúncio dessa tragédia, já não se sentiam à
vontade em momentos nos quais o controle da situação estaria nas mãos de
outrem. Mas, aí vem novo questionamento: quando temos, em nossas mãos, o
controle da situação? Ou melhor, em algum momento temos tal controle? O bem humorado filme “Mais Estranho que a Ficção” de Marc Foster (2006),
nos permite mergulhar em tais questões de maneira leve e divertida. E melhor
ainda, nos oferece saída: aproveitar a vida com a intensidade e a
tranquilidade daqueles para os quais nada mais resta, já que o controle absoluto não se
tem, mesmo. Contudo, cientes de que alguns detalhes, que a vida comporta, sempre
estarão ao alcance de nossas escolhas: como por exemplo trocar ideias e carinho
com pessoas queridas ou satisfazer os sentidos com delícias que viram poesia ao
serem degustadas, ouvidas, tocadas, olhadas ou cheiradas. Mas aí, vem outro questionamento, ainda: sem o controle, estaremos condenados à deriva?
No filme o protagonista, Harold Crick (papel de Will
Ferrell), tem seu monotônico e repetitivo cotidiano de fiscal da receita
federal alterado quando começa a ouvir uma voz feminina que narra e interpreta
suas ações. Depois de procurar profissionais da saúde que só conseguem pensar
em ajuda-lo dentro das possibilidades diagnosticas da psicopatologia, Harold
busca a ajuda de um professor de literatura (papel do brilhante Dustin
Hoffman), já que chegara à conclusão de que seria um personagem literário. O
professor, sugere, então, que seu novo pupilo busque dicas, no seu dia a dia,
se estaria vivendo numa comédia ou numa tragédia. Se estivesse numa comédia, se
casaria e, no caso de estar vivendo uma tragédia, a morte seria iminente. Com
tudo isso acontecendo na vida do pacato fiscal, não é difícil supor que a desorganização
e a paixão passem a ter lugar de expressão. A partir daí o filme passa a ser
uma discussão sobre possibilidades de se mudar narrativas, já que nosso herói se
percebe numa tragédia, no mesmo momento no qual , mais do que nunca, quer viver
para experimentar o que o amor pode lhe oferecer. Para isso, vai longe nas
investigações acerca de quem tem poder sobre sua história e acaba conseguindo
um cara-a-cara com sua criadora (papel, também digno de nota, de Ema Thompson).
O encontro traz transformações profundas para o sentido que ambos vinham (ou
não) construindo vida afora. Num roteiro engenhoso de Zach Helm , chegamos,
junto com Harold, à dura conclusão de que nossas histórias não são tão livres,
contam com várias condicionantes (sociais, culturais, psíquicas, biológicas
etc.), mas que essas não são determinantes de nossas narrativas, pois podemos,
não sem dor ou dificuldade, dialogar com elas para buscar novos rumos. Mas,
isso está longe de significar o controle, mesmo quando estamos na cabine de
comando... Então, carpe diem!
domingo, 29 de março de 2015
Os Famintos ou Você tem fome de que – Parte II
Os Famintos ou Você tem fome de que
– Parte II
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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Comer com os olhos e com receios
mil. Receio de engordar, de se intoxicar ou de se viciar e perder a linha?
Por que vivemos famintos num mundo de excessos e de ofertas sempre muito sedutoras?
É o que nos faz perguntar o premiado curta-metragem “Os Famintos” , com Biá
Napolitani (que também assina o roteiro) e Diego Becker, dirigido por Ana
Claudia Bastos (2008). No filme, as palavras não saem tanto quanto a comida não
entra. O filme mudo trata de (in) satisfações e (im) possibilidades de se
relacionar com o mundo e com o que ele pode nos oferecer seja para nos nutrir,
seja como fonte de prazer. A atmosfera do filme nos remete a outrora, por um
lado, e o conteúdo, por outro, ao nosso universo
de relações e satisfações virtuais, cuja sensação de controle é maior que
qualquer outra e onde o prazer parece ali residir, principalmente. O filme dura
poucos minutos, mas, os questionamentos que suscita, talvez a vida inteira.
quinta-feira, 19 de março de 2015
Ana e os Lobos: sobre o limite do nosso poder transformador
Ana e os Lobos: sobre
o limite do nosso poder transformador
Por Ana Lucia Gondim
Bastos
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Mais
em uns casos do que nos outros, contudo de forma nenhuma incomum, é a vontade
de transformar o outro, vontade de abrir espaço para mudar um jeito de pensar, um
ponto de vista ou uma forma de se relacionar do outro com o mundo, que consideremos pouco produtiva ou danosa
para o contexto individual ou coletivo. À vezes é uma vontade fruto de genuína preocupação com o outro e/ou
com o mundo que compartilhamos com ele, às vezes, não. Muitas vezes vem de uma
reflexão crítica e de um mapeamento histórico sobre os porquês daquela
conformação de pensamento e atitude, outras vezes, não. Muitas vezes, ainda, tais
tentativas, geram embates, de fato, transformadores para ambos os lados.
Contudo, também muitas vezes, geram intolerância e destruição. A grande
diferença nos resultados das empreitadas por abrir novas janelas para o outro,
não reside apenas, ou principalmente, na intencionalidade ou forma como tais
tentativas acontecem. Reside, muito mais, na medida da disponibilidade desse
outro para mudança, ou pelo menos, para pensar sobre elas. Então, reside na
demanda de mudança proveniente de incômodo com seu modus operandi, incômodo que
precisa ser suficiente para promover movimentos na direção do novo. Sem tais
condições, as tentativas de transformar a ordem (ou a desordem) de outrem
serão, na melhor das hipóteses, estéreis.
Em
1972, a personagem de Geraldine Chaplin, no clássico “Ana e os Lobos”, do
genial Carlos Saura, já nos fazia pensar sobre isso tudo. Ela, uma jovem
inglesa, chega a uma mansão de campo na Espanha para cuidar das 3 crianças que
ali viviam, junto com seus pais, tios, a avó e muitos empregados. A
dinâmica da casa gira em torno da matriarca controladora e mimada que passa os
dias a demandar mil coisas, a ser carregada de um lado pra outro e a reclamar
sobre como nada é mais como antigamente. De tempos em tempos, tem crises
nervosas que a faz se debater no chão, momento de todos correrem para a acudir.
Os filhos são três: um místico que vive buscando a renúncia das satisfações do
corpo, um colecionador de armas e uniformes militares a quem é atribuído o
poder de manter a ordem e o pai das crianças, o único casado, que tem o sexo
como interesse central de sua vida. Através da relação, inicialmente de
fascínio e interesse, que cada um começa a estabelecer com Ana, vai se
revelando o caráter perigoso e mórbido da repetição, no universo asfixiante de
uma realidade sem brecha para que ar fresco possa entrar. Fatos estranhos
começam a ocorrer, proveniente das três facetas representadas pelos irmãos e,
surpresa, Ana vai percebendo que todos sabem a quem atribuir a responsabilidade
por tais ocorridos, percebe, também, que nada os espanta.
Quanto mais vai entendendo a dinâmica da casa, mais a moça vai se aproximando de
cada um integrantes e de suas manias. Nesse processo, vai buscando acesso ao universo
particular de cada integrante da casa e, em determinado momento, parece
imaginar ter conseguido entrada. Mas, ali, quando a mãe reclama do mal
funcionamento das coisas na atualidade, está apenas ressentida por ter perdido
o controle, ainda maior, que já teve. Ana, fica claro, teria sido contratada
para ser mais uma a manter a ordem das coisas e não para altera-la. Talvez, ela
venha a perceber isso tudo, tarde demais e o final dessas histórias, nesses
casos, são sempre tristes. Mas, a arte está aí, também, para nos permitir a
reflexão acerca das nossas escolhas cotidianas. Sem dúvida, onde e em que
investir nossa força criativa merece, sempre,
o foco de tais reflexões.
sexta-feira, 13 de março de 2015
A estranha mania: onde Blade Runner encontrou Her
A estranha mania: onde Blade Runner encontrou Her
Por Ana Lucia
Gondim Bastos
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Quando, em 2014, assisti ao filme "Her" (Spike
Jonze, 2013), então o ganhador do Oscar de melhor roteiro, me ative nas
reflexões acerca dos facilitadores de
investimentos narcísicos, apresentados pelo universo da virtualidade. No filme
de ficção científica, passado num futuro próximo, o personagem interpretado por
Joaquim Phoenix se apaixona por um novo sistema operacional inteligente,
instalado em seu computador. O sistema, para o qual foi selecionada uma voz
feminina (a voz de Scarlett Johansson), passa a fazer parte da vida do
protagonista, de forma tão intensa e satisfatória, que vai restringindo as
relações do personagem com o resto do mundo, ou melhor, vai transformando tais
relações, já que essas passam a ter mais sentido pela presença constante, e ao
alcance das mãos, da doce voz de Scarlett, sempre com boas e oportunas ideias
(até porque sempre adequadas aos gostos e interesses de seu usuário).
Reflexões semelhantes me ocorreram
quando assisti ao filme "Blade Runner" (Ridley Scott, 1982), há anos atrás, época na
qual 2019 me parecia um futuro bem distante. O Caçador de androide,
interpretado por Harrison Ford, era o retrato da solidão e da dificuldade da
troca de experiências significativas, num mundo de relações sociais esgarçadas,
relações de poder marcadas por um colapso ético e definidas em função de
interesses meramente mercadológicos.
Mundo no qual replicas perfeitas de humanos e animais são construídas
para servir a parcela privilegiada de humanos que vão se aventurar em colônias
extraterrestres, já que o planeta Terra já se configura um grande rastro de
destruição e decadência civilizatória.
Talvez por ter tais futuros (o
desenhado por Jonze e o por Scott) tão próximos - na verdade, colados ao
presente - talvez pela necessidade de abrir espaço para criatividade e para a
esperança nesses tempos, quem sabe pela necessidade de continuar acreditando
que todas as lutas, travadas no passado, por um futuro melhor não foram em vão
ou, ainda, por todas as alternativas anteriores, me peguei relacionando esses
filmes de forma diferente. Esta semana, semana de tantas notícias e postagens
carregadas de raiva e de informações acerca de trágicos eventos motivados pela
intolerância que autoriza o desejo e a ação de gente “deletar” gente (talvez da
mesma forma que os caçadores de androides de Scott não se percebiam matando,
mas, sim, retirando replicantes), volto a assistir Blade Runner e acabo com uma
sensação, surpreendentemente, boa. Penso na cena do personagem de Ford olhando
para sua Rachel, olhar que a humaniza por considerar suas memórias e seus
sentimentos, cultivados a partir daí (apesar de saber se tratar de uma memória
implantada, foi por ela apropriada e, então, é dela e a faz capaz de se
emocionar). Na mesma hora me vem a imagem do personagem de Phoenix desolado ao
perceber que sua Johansson nunca vai poder oferecer a reciprocidade do amor a ela devotado, já que ele é apenas mais um usuário do sistema e ela não tem corpo ou memória
afetiva.
Então, se o ser humano tem a estranha mania de não desistir de ser
cada vez mais poderoso, sempre ansioso por aumentar seu domínio sobre tudo e
todos, ele, também, tem uma capacidade empática que, muitas vezes, o faz parar
no olho no olho com alguém, que o faz sofrer pelo outro, que o faz querer ajudar alguém em
quem reconhece a dor, que o faz querer ser amado não por sua força, mas pelo
reconhecimento de sua própria capacidade de amar. Enfim, que o faz portador,
também, de uma estranha mania de ter fé na vida! Sendo assim, sigamos lutando
por um mundo melhor e mais solidário!
terça-feira, 10 de março de 2015
Asas do Desejo
Asas do Desejo
Por
Ana Lucia Gondim Bastos
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Desde
a época que éramos bípedes da savana - nos lembram os anjos de Asas do Desejo
– um ou outro de nós, quem sabe um grupo ou outro de nós,
corria em zigue zague seguido por pedras atiradas de longe. Assim, pelo menos
nos contam os anjos de Win Wenders (1987), as guerras costuram nossas histórias,
fazendo-as comportarem respeitáveis doses
de destruição, de separações, de medos, de inseguranças, de desconfianças,
de ódio e desalento. O vazio existencial, a solidão, a vulnerabilidade da
condição humana e as imperfeições da vida que sabemos sustentar a guerra e a
paz, nos atordoam e afligem. Nos confundem pensamento e roubam momentos de
satisfação. Enquanto isso anjos passeiam entre nós, sem que os percebamos, testemunhando nossas dores, apoiando nossas cabeças caídas num momento
de desesperança ou nos ajudando a suportar o peso dos ombros exaustos. Nesse
contexto de tantas repetições e talvez poucas mudanças, no universo preto e
branco de quem não sente o peso dos ossos e o cansaço do corpo, um anjo
percebe-se encantado com o universo de quem, com tudo isso, espera o amanhã, se
alegra num dia de domingo tranquilo, ama pessoas e com elas estabelece vínculos
afeto que lhes aquece o coração. Se diverte no circo ou é trapezista que
encanta o público que se deixa iludir confiando na leveza e na facilidade de
voar do artista. Esquenta as mãos esfregando uma na outra, suspira de
prazer tomando um chocolate quente numa tarde fria, faz filmes para contar histórias pros outros e escolhe roupas e chapéus para sair às ruas. Uma vida de
colorido ímpar! Uma vida que vale experimentar, mesmo que o custo seja a
consciência de que um dia acaba. Um anjo se joga para experimentar e Win
Wenders nos presenteia com diálogos densos que, em muitos momentos, no faz
recebe-los num fôlego só. Um filme que fala sobre o peso da existência humana
em forma de poesia, que é como podemos dar conta dele.
segunda-feira, 9 de março de 2015
Entre ontem e amanhã: Meia Noite em Paris
Entre ontem e amanhã: Meia Noite em Paris
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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Entre o passado e o futuro
encontra-se um tempo menos passível de idealizações, entretanto, o único
efetivamente fértil para realizações. O futuro pode ser imaginado de diversas
formas, tendo a passagem de um cenário idealizado a outro, sempre facilitada. É
nele que projetamos encontrar o algo que, ao alcançarmos, poderá nos fazer “felizes
para sempre”. Ao contrário do que propõe a poesia de Cecília Meireles “Ou Isso
ou Aquilo”, o futuro é um tempo no qual o isso, o aquilo e muitos mais aquilos
outros convivem e se alternam sem maiores compromissos com as leis da física.
Uma hora posso me imaginar viajando pra China e logo em seguida me imaginar na
Califórnia, posso vir a falar várias línguas ou conquistar qualquer título ou
prêmio. Na hora da realização, no entanto, se faz preciso considerar os limites
do tempo, do corpo, do mundo, das relações, das habilidades e competências de
quem vai priorizar o que realizar. É, justamente, aí que o “Ou Isso ou Aquilo” se impõe, por vezes, de
forma dolorosa. Uma dor que, quando enfrentada, pode anteceder a satisfação da
realização do possível, realização do que se compartilha e do que promove transformações
nos mundos externo e interno do seu responsável. Nesse processo, novos sonhos e
objetivos vão ganhando contorno e o sentido da vida vai sendo renovado, sempre
no presente. Assim, apesar da esperança habitar o por vir, ela só pode ser
renovada no aqui e agora de cada história.
E quanto ao passado, o que podemos
falar? O passado é um tempo passível de edição, de utilização de uma espécie de
Photoshop da memória. É isso que nos faz nos orgulhar enormemente do que
acontecia e do como as pessoas se relacionavam “no nosso tempo”, como se nosso
tempo não fosse o presente, ou melhor, como se o presente não fizesse parte de
um tempo que é nosso, tão nosso quanto o que já foi ou o que vai vir a ser, até
que a morte nos separe da vida entre os homens. Da mesma forma, muitas vezes,
tal idealização nos faz achar que nascemos no tempo “errado”. Pensamos que tudo
seria diferente e mais promissor se estivéssemos num tempo anterior ao do nosso
nascimento, com certeza, tempo de maior fartura e produtividade intelectual.
Tempo que não comportava o vazio existencial que, tantas vezes, o presente
comporta por considerarmos a vida insatisfatória ou por termos dificuldade de
nos conformarmos com o fato de que a felicidade absoluta e plena só pode fazer
parte da vida como abstração. Esse é o tema do brilhante e delicado “Meia Noite
em Paris” (2011) , primeiro filme da série de roteiros nos quais Woody Allen
dedicou-se a levar seus personagens para passear para fora dos domínios dos
grandes centros urbanos dos Estados Unidos. Nele, Gil Pender (personagem
interpretado por Owen Wilson), um roteirista com espaço já conquistado nos
estúdios hollywoodianos e prestes a casar com uma bela moça de uma rica e
conservadora família americana, tem, em uma viagem a Paris, a oportunidade de
busca de referencias e inspiração para a mudança de rumo de sua trajetória que,
há tempos, o vinha incomodando. Inicialmente, tais oportunidades acontecem em
visitas ao passado parisiense, numa espécie de mágica que desresponsabiliza Gil
do processo. Aos poucos tais visitas vão sendo entendidas e tratadas, pelo
próprio protagonista, como fugas ao passado que, como tal, só poderiam
condena-lo a um ciclo de repetição sem fim, não oferecendo chance alguma para o
novo se manifestar no presente, única morada da esperança e espaço onde o
encontro transformador com o outro pode acontecer. Numa história bem contada,
com participações de personagens como Buñuel, Dali, Toulouse, Cole Porter e
Picasso, no cenário encantador da Paris de todos os tempos e embalados por uma
trilha sonora maravilhosa, impossível não projetarmos novas viagens a tempos e
lugares de sonho. Se tais projetos ficarão no passado, no futuro ou entre o
passado e o futuro, assim como, a serviço do que colocaremos tais projetos,
fica a cargo de cada um, condicionados pelo o que estabelecemos como condutores
de nossas narrativas. Seja qual for seu caso, Bon Voyage!
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015
Sobre Birdman e outros super heróis
Sobre Birdman e outros super heróis
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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Cercados pelo universo da
publicidade, com seus sem-número de promessas de felicidade, de sucesso e de
receitas para alcançar a perfeição e a plenitude, há gerações, assistimos
meninos e meninas tornarem-se adultos crédulos em capas mágicas e em finais triunfantes.
Chegam a acreditar que se não se sentem plenos, é porque não fizeram a coisa
certa, ou seja, não acertaram na escolha do caminho que, com certeza, os
levaria ao reino da fruição e do contentamento. Logo, a frustração sem tamanho
os assombra com tanta força quanto a utilizada para se manterem agarrados à
ilusão da completude narcísica. E assim vão vivendo numa montanha russa que ora
os faz acreditar na supremacia de seus super poderes, ora os leva em queda
livre ao vazio existencial. É o que acontece com Riggan Thomson, protagonista
de Birdman, filme de Alejandro Gozález
(2015). Um ator (interpretado por Michael Keaton – nosso “para sempre” Batman,
diga-se de passagem) que teve seu tempo áureo de fama e sucesso interpretando o
Homem Pássaro, um super herói dos quadrinhos. No entanto, desde que se recusou
a interpretar o personagem em seu quarto filme, Riggan deixou de ser o alvo dos
holofotes da fama do cinema americano, grande ditame de critérios de sucesso.
Prestes a estrear um novo trabalho no qual além de atuar, também assinará a
direção, Riggan precisará lidar com tudo o que reside por trás das cortinas.
Nesse momento de grande pressão e expectativa, o Homem Pássaro aparece como um
alter ego que o convoca a entrar na referida montanha russa que leva, com
rapidez e sem escalas, da onipotência à submissão. A interação dele com os
outros personagens da trama – por exemplo, com a filha recém egressa de uma
clínica de desintoxicação (interpretada por Emma Stone) ou com Mike, ator que
entra para dividir o palco e o brilho da peça (interpretado por Edward Norton)
– vai oferecendo outra complexidade à relação de Riggan com seu Homem Pássaro
ou, mesmo, com seus super poderes. A dificuldade de se desvencilhar dessa
relação com seu super herói, que vai tomando conta da cena e ganhando proporções
delirantes, começa a comprometer a capacidade de manejo dos diversos papéis que
a vida reserva à Riggan (no palco e fora dele). Assim, Bidman nos leva à
necessária reflexão sobre a importância, sobre a dor e sobre a beleza da desilusão
que, segundo Maria Rita Kehl , “nos coloca diante de nossa condição: somos
humanos, somos mortais, somos solitários, somos incompletos. Mas, uma vez aceitas
as determinações fundamentais da condição humana, uma vez rompidos com os
domínios da fantasia, se abrem para nós as possibilidades infinitas do domínio
das paixões: nem a onipotência, nem a submissão, mas a conquista do território
humano. O mais vasto território por onde o desejo pode se mover”. (A
Psicanálise e o Domínio das Paixões In Os Sentidos da Paixão – Cia das Letras,
1986).
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
Onde Whiplash esbarra no Cisne Negro
Onde Whiplash esbarra no
Cisne Negro
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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Dois jovens no início de suas trajetórias profissionais,
buscando abrir espaço para mostrar a que vieram: Andrew com suas baquetas e
Nina com suas sapatilhas. Andrew tem
apenas o pai como figura parental de referência e Nina, apenas a mãe. O pai de
Andrew parece se sentir tão abandonado quanto o filho, por uma mãe sobre a qual
pouco se sabe, pois a dupla pouco conversa, apesar de se fazerem companhia,
principalmente para assistir a filmes comendo pipoca (aliás, os raros diálogos
entre pai e filho se limitam à comentários sobre a pipoca da hora do filme). A
mãe de Nina demostra a todo momento ter sua vida girando em torno da vida da
moça, ainda tratada como criança, ou melhor, tratada como uma boneca na qual a
mãe projeta todos os seus ideais. São personagens de filmes e de diretores
diferentes. O primeiro é o personagem central de Whiplash de Damian Chazelle
(indicado ao Oscar de melhor filme de 2015) e interpretado por Miles Teller. A
segunda de Cisne Negro de Darren Aronofsky (indicado ao Oscar de melhor filme
em 2011), interpretada por Natalie Portman. Têm em comum, além da juventude, a
atitude de isolamento, a insegurança, a dificuldade de relacionamento e o sonho
de encontrarem um lugar ao sol, um caminho de sucesso nas artes escolhidas: ele
na música e ela no ballet. Sim, a determinação e a disciplina são outro ponto
em comum desses jovens que nos cativam, inclusive, por suas fragilidades.
Impossível não assistir a um desses filmes sem torcer por eles! Torcer para que
fiquem bem, para que passem a curtir as possibilidades que a música ou a dança
podem lhes oferecer, para que se relacionem de forma mais leve com o mundo e
para que, sim, tenham seu esforço reconhecido. Mas, eles parecem querer mais
que isso, eles precisam de uma aprovação, de um reconhecimento e de um
desempenho sobre humanos. Sofrem da sensação de nunca serem suficientes.
Suficiente para que? Acho que não chegam a se perguntar. Mas, encontram em seus
destinos um maestro (no caso dele) e um
coreógrafo (no caso dela), convencidos de terem a medida da excelência e
dispostos a passar por cima de qualquer limite e a correr qualquer risco para
chegar onde querem: na execução perfeita da música ou da dança. Um encontro
que, em alguns momentos, pode até parecer promissor, mas, que logo evidencia
seu poder desorganizador e destrutivo. Os cartazes dos filmes contam de uma
boneca de porcelana quebrada e de um rapaz que tem nas baquetas trampolim para
um abismo: cartazes que contam tudo, traduzem os filmes. Apesar de terem optado
por formas diferentes de desfecho para seus roteiros, os diretores, nessa perspectiva que apresento, falam
da mesma coisa: da inconsequente falta de cuidado com a fragilidade humana que
algumas relações comporta, e da inversão de valores que acontece toda vez que a
busca pela perfeição impede de se observar limites humanos. O sentido da vida
passa a escapar da própria vida, a se sobrepor a ela. Assim, ela passa a ser apenas
um meio para se deixar um legado de perfeição, ainda se morra mais cedo, mais
rápido e de forma mais dolorosa. Num dos filmes isso fica explicitado no
desfecho, no outro, nem tanto. Contudo, o final dramático me pareceu evidente
em ambos. Me surpreendeu, portanto, ouvir opiniões que traziam a ideia de que um dos personagens tenha obtido um “final feliz” na busca pela
perfeição. Até porque a perfeição marcaria o fim do desejo, o encerrar de qualquer
busca, em outras palavras, se refere à morte. Seria esse o “final feliz” que
tais opiniões expressam ou será que não se deram conta do preço pago pela tal
busca da perfeição?
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015
Histórias de crianças - Parte II
ERA UMA VEZ UMA VEZ UM
PAPAI NOEL (2005)
Por Ana Lucia Gondim Bastos
Por Ana Lucia Gondim Bastos
Era dia de encerramento de
ano letivo. A despedida deste, vinha acontecendo há quase um mês, para a turma daquela menina que estava
prestes a encerrar o ensino infantil e ingressar no Fundamental. Mas, último
dia é sempre último dia - é nele que o coração aperta pra valer! Pela manhã
cantariam, pela última vez, no coral das crianças menores e, à noite, a turma
que vinha estudando o sistema monetário brasileiro enquanto economizava moedas
num cofre comum, se reuniria para um filme com pizza, na própria escola.
Definitivamente, programa de gente crescida!
Aconteceu que entre o
programa da manhã e o da noite, aquela menina sentiu a necessidade de conversar
com a avó sobre as coisas da vida, sobre verdades e mentiras. Desde sempre
estabelecera com a avó materna uma relação de bastante cumplicidade. Acho que
foi por isso que a escolheu para comunicar seu crescimento e pedir ajuda no
momento de entrada no código dos adultos.
Perguntou de maneira,
inicialmente, displicente:
- Vó, existe Papai Noel de
verdade?
A avó orientou que
conversasse com a mãe, pois as mães, acreditava ela, tem um jeito muito
especial e bonito de contar para as filhas sobre os mistérios da vida. Mas, a
menina insistiu:
- Vó, quero saber de você!
Gosto do jeito que você me conta as coisas. – Acho que ela se referia à forma
direta e sem floreios, característico dessa avó, de tratar os assuntos de um modo geral, dos mais
simples aos mais delicados.
E, quando a avó confirmou
a hipótese, provavelmente levantada há algum tempo, a menina surpreendeu-se:
- Vó, mas, todos os pais
mentem pros seus filhos? – perguntou em tom de indignação.
Talvez tenha se sentido à
vontade para fazer essa pergunta por não lembrar, pelo menos por um momento,
que sua avó também é mãe e que, portanto, pela pesquisa desenvolvida até aqui,
também faria parte do grupo de mentirosos e traidores.
A avó, então, orientou, novamente,
que conversasse com sua mãe. Desta vez argumentou que só assim teria certeza de
que os pais não mentem para os seus filhos, e sim, preparam-nos para o mundo.
O certo foi que, desta
vez, ela acatou a sugestão e partiu para o segundo passo de sua investigação.
Num momento oportuno, perguntou baixinho:
- Mãe, Papai Noel existe
de verdade?
Sem saber da primeira
parte da história, a mãe respondeu com outra pergunta:
- Você quer saber se
existe uma pessoa bem velhinha, morando num lugar bem gelado e pouco habitado,
que fabrica brinquedos o ano todo para distribuí-los para as crianças do mundo,
num único dia, quando dirige um trenó voador puxado por renas encantadas?
- É, mãe! É isso que eu
quero saber, se Papai Noel existe de verdade! – repetiu, já meio sem paciência.
- O que você achai? –
voltou a perguntar.
- Acho que existe, mas
quero saber de você! Papai Noel existe mesmo? É verdade?
- É verdade, já que
acreditamos. Na verdade, a gente constrói verdades! – respondeu, a mãe, cheia
de convicção.
- Mãe, mas eu quero a
verdade verdadeira, Papai Noel existe ou não?
- Existe tanto quanto o
saci ou o curupira.
- Então não existe, mãe!
- Existe como lenda. Além
do mais, numa situação de medo, não tem quem não acredite em qualquer uma
dessas assombrações!
Então, veio a pergunta
mais intrigante. A que esteve o tempo todo por trás de todas as outras:
- Quer dizer que os pais
mentem pros filhos, o tempo todo?
- Não, filha, não é
mentira, é só uma forma de apresentar o mundo de uma forma mágica e cheia de
encanto. Você, agora, já sabe ler, já sabe escrever e já entende o mundo como
uma criança crescida. Mas, só uma criança que acreditou na magia pode continuar
experimentando o mundo com encantamento. Com o mesmo encantamento que virá a apresenta-lo,
às crianças menores, quando for adulta.
O papo parou por aí, mas
não foi possível deixar de notar que, ao escolher a roupa para o programa da
noite, pediu para que a mãe pregasse à camiseta branca um estrela de paetê
prata, adereço que deu um charme todo especial à roupa. A mãe lembrou que a
estrela prateada que, agora fazia parte de uma camiseta a ser usada com calça
jeans, um dia fez parte de uma fantasia de fada. Naquele momento, assistiu ao
encantamento ser ressignificado e teve a certeza que seria levado pela vida afora.
domingo, 25 de janeiro de 2015
WHIPLASH
WHIPLASH
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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A busca pela perfeição pode ser o
outro lado de um relato selvagem. Somos humanos e, portanto, temos recursos para
lidar com nossos impulsos e para dar a eles destinos diferentes ao que acontece
na “natureza selvagem”. Sim, somos seres de cultura e, portanto, é impossível
pensarmos nossa existência dissociada de nossa história e de nossos contornos
sociais. Lembra-nos Hannah Arendt que, em latim, a expressão VIVER
é a mesma da que comunica ESTAR ENTRE OS HOMENS (inter homines esse), assim
como MORRER e DEIXAR DE ESTAR ENTRE OS HOMENS (inter hominies desinere), são
sinônimos. Daí a riqueza de recursos para lidar com nossas constantes demandas
internas e externas, riqueza em função da qual existe a possibilidade de não
fazermos relatos selvagens de nossas narrativas de vida cotidiana (retomando a
temática trazida por Damian Szifrón em sua última produção e discutida aqui no
blog no dia 10/12/2014). Assim, ser humano é, também, ser capaz de produzir
arte e ciência. É ser capaz de criar sempre novas formas de ampliação das possibilidades
de expressarmos a dor e a delícia das nossas experiências no mundo e de
ampliarmos, inclusive, as possibilidades de experiências que podemos ter. E foi
assim que construímos engenhocas para voar, para nadar mais fundo ou até mais
longe, para falarmos à qualquer distância, para ouvir a música que uma outra
pessoa tocou num outro lugar, para congelar imagens de coisas e momentos belos
e que nos trarão alegria ao rever, que inventamos histórias, plantamos flores e
também árvores de sombra e frutos gostosos... ou seja, que “pintamos e bordamos” nesse tempo que
passamos por aqui. Enquanto isso, é claro, ensinamos para os jovens que
continuarão aí, após nossa morte, a ouvir e, quem sabe tocar ou dançar, as músicas
que nos fizeram sonhar, a como construir os lugares que hoje vivemos e tudo o
que sabemos sobre o “pintar e bordar” atual, para que tais jovens sejam capazes
de continuar, sempre transformando e ampliando, nossa arte de ser gente no
mundo!
Mas,
se tudo isso é verdade, uma verdade até que bem divertida, também é verdade que
nossas engenhocas não são infalíveis, que nosso corpo não é incansável e que
nossa possibilidade de controle sobre os fatos, atos e criações são limitadas.
E, por isso, comecei esse texto com a afirmação de que viver a busca pela
perfeição pode representar o outro lado da moeda de viver como se só tivéssemos
a alternativa de narrativa, baseada nas reações impulsivas, instantâneas e
impensadas que são a força motriz dos relatos selvagens. E como todo outro lado
de uma mesma coisa, os dois acabam por resultar em relações e relatos de vida
análogos.
Não
costumo apreciar muito subtítulos escolhidos para traduções de nome de filmes
americanos, mas, no caso de Whiplash (2014), “a busca pela perfeição”, caiu
como uma luva! Desse filme, do jovem diretor Damien Chazelle, também saímos impactados
(e exauridos) pela tensão constante que Terence Fletcher, regente da principal
orquestra de jazz de um conservatório americano (papel executado, com maestria,
por JK Simmons), estabelece com os músicos que estão sob sua batuta. Ele
acredita em perfeição através da superação dos limites e, para isso, vale tudo:
humilhação, violência física e todo tipo de autoritarismo, a que seus músicos
acabam se submetendo pela suposta chance de despontarem como um melhor do mundo. Num momento em que
ser estrela parece ser sempre muito mais promissor do que ser constelação, não
é de se espantar com a sedução que Fletcher exerça sobre os músicos em formação - ainda
que o exemplo que utilize constantemente seja o de Charlie Parker, cujo fim foi
precoce e trágico, apesar de nos ter deixado um legado genial com sua música.
O
ponto alto do filme, a meu ver, é o encontro do jovem solitário e inseguro
baterista, Andrew (personagem que, com certeza, marcará a carreira de Milles
Teller), com o impiedoso Fletcher. O encontro dos anseios de ambos, de suas
inseguranças, suas crenças (ou falta delas), um encontro de química explosiva
que nos tira o fôlego e traz a (excelente, diga-se de passagem) trilha sonora
para um outro lugar, para o lugar de personagem central e não apenas de pano de
fundo. Vale à pena a experiência! Vale, também, pensar o que queremos levar ou
deixar dessa/nessa nossa experiência de vida passageira! No meu caso, fico
ainda a pensar: Por que os filmes dos diretores, nada veteranos, Damien e Demian
tocaram tão fundo, tão mais fundo ou de uma forma tão diferente? Até agora,
na minha opinião, as estatuetas de melhores filmes, deste ano, deveriam ir para eles.
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