sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Lobos Soltos


Lobos Soltos
Por Ana Lucia Gondim Bastos

Um dia uma menininha muito pequena, que ainda trocava erres por eles,  me contou que não gostava de uma música que a irmã mais velha cantava pois quando chegava numa parte que dizia “abra suas asas, solte suas feras”, ela imaginava uma jaula abrindo no meio de seu peito de onde saiam muitos lobos e isso a assustava. Imagino que não era para menos! Anos depois, um menininho, mais ou menos na mesma fase da vida, me contava de um desenho animado que tratava de uma história de duas irmãs que precisaram ser separadas porque uma delas não conseguia controlar o poder que tinha, ameaçando machucar a outra.
- Era um poder de tudo gelar, perigosíssimo - ele me alertava.
É, pensando bem, já acompanhei muitas histórias de pessoas buscando o controle de poderes secretos, ou melhor, assustadas com a sensação da impossibilidade de tal controle! No fundo, no entanto, elas sabiam que não seria possível armazenar a força desses poderes, a vida inteira, dentro de si , sem canais para  drenagem na realidade compartilhada, e me pediam ajuda para dar conta disso.  Tive que acompanha-los no caminho que os levou a que percebessem que tais poderes não precisariam/deveriam ou poderiam caminhar de forma marginal, na verdade, faziam parte da vida e, integrá-los ao resto das outras motivações que os colocavam pra frente e os faziam sonhar, seria condição para construção de finais felizes, para qualquer história contada na vida real.
Bem, depois de ter me atirado na jaula dos lobos daquela criança linda de olhos expressivos, que me falava de lobos com os olhos sempre marejados d’àgua e depois no mundo gelado de quem não controlava o poder de tudo congelar, tive a oportunidade de reviver tudo isso, agora, no universo adolescente dos lobisomens. Daqueles que estão vivendo, na pele, a transformação, por vezes, incontrolável! A desconfortável sensação de quem nunca encontra a mesma imagem quando se procura no espelho, daqueles que ainda desconhecem sua força ou, ainda, desconhecem do que são capazes (ou incapazes, o que é muito pior!).
Uma vez por semana, venho assistido a episódios da série teenwolf e, aos poucos, vou entendendo, mais e mais, acerca de tal desconforto e dos muitos receios que acarretam as transformações e suas consequências, nem sempre previsíveis. Já precisei, devo confessar, me haver com tudo isso mais de uma vez por semana, em função das transformações que nem sempre obedecem a uma periodicidade. Contudo, hoje, descobri algo que deu novo rumo para o caminho desse adolescente, o tornando muito menos angustiante. Ele me explicou (e me mostrou o episódio que tudo esclarecia) que alguns lobisomens se descobrem “true alphas”, pessoas que lidam com seu lado lobo fazendo escolhas que não machucam ninguém, ainda que sem o total controle dos impulsos. Que coisa boa poder confiar nessa possibilidade! Foi assim que presenciei mais uma história na qual o lobo mal é vencido, mas, não por ter sido morto, e sim por ter ganho espaço na história. Lindas histórias de valentes protagonistas que topam o cara a cara com seus lobos... como aprendo com eles!

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Você tem fome de quê?


VOCÊ  TEM FOME DE QUE?
Por Ana Lucia Gondim Bastos


Chef, filme de Jon Favreau (2014),  está longe de ser considerado um “filmaço” ou merecedor de adjetivos como imperdível ou sensacional. Mas, e daí? Numa narrativa leve e divertida, daquelas comédias para se assistir com a família inteira, o personagem principal, Carl Casper (interpretado pelo próprio diretor), nos faz pensar sobre quais motivações nos levam às escolhas que fazemos, a todo momento, nas diversas esferas de nosso cotidiano. Mais que isso, nos leva à reflexão sobre o quanto andamos desatentos no que diz respeito a serviço do que estão tais motivações ou critérios de escolha, o que, muitas vezes, nos faz levianos em assuntos de importância nodal em nossas existências.
O grande Chef Casper, há dez anos, vinha se submetendo às regras do dono de um grande restaurante. Inicialmente, aquilo tudo poderia até ter feito muito sentido, já que tinha à sua disposição todo aparato e equipe necessários para se desenvolver profissionalmente. Mas, passados todos esses anos, o sentido foi se esvaziando por apenas cozinhar, repetidamente, receitas que já foram aprovadas pelo público e que, apenas, sustentavam o nome do restaurante. O autoritário dono do restaurante (participação especial de Dustin Hoffman, que, diga-se de passagem, é sempre um prazer ver atuando), argumentava a favor da repetição, pedindo que imaginasse um show do Rolling Stones no qual se recusassem a cantar Satisfaction.  Ou seja, com ou sem satisfação do  profissional, o público teria que ter o que já esperava encontrar!
Em função de uma péssima crítica que recebe de um famoso blogueiro gastronômico, justamente pela falta de criatividade observada no cardápio, Casper tem a vida e as ideias viradas de pernas pro ar: inábil no tocante à utilização de recursos tecnológicos acaba expondo a briga com o tal blogueiro e um vídeo de um atrito presencial acaba virando um viral da internet. Com a necessidade de entender mais sobre as redes sociais e arrumar novas formas de conseguir dinheiro fazendo o que sabe fazer, que é cozinhar,  aproxima-se do filho de 10 anos e da ex mulher. Revê conceitos acerca do que significa sucesso profissional, sobre quais divertimentos o aproximam do filho, sobre significados de amizade e, até, sobre o que está em jogo para se fazer uma boa comida.
 E daí, se tudo isso for muito mais simples e, ainda assim (ou por isso mesmo), muito mais saboroso? Um dia na feira com um pai que ama cozinhar pode ser muito mais saboroso que um dia num parque de diversão; uma refeição saborosa, dessas que transformam o dia de alguém, pode vir na forma de um sanduiche e um food truck pode oferecer muito mais espaço para a criatividade que uma bela cozinha industrial! O segredo do sabor está no cuidado com o que está sendo produzido para o outro, não para impressioná-lo, mas para fazê-lo ciente de sua importância. Um filme gostoso, daqueles que se sai com vontade de ser feliz!