O Inquietante Retrato Oval
de Edgar Allan Poe
Por Ana Lucia
Gondim Bastos
O
retrato que aprisiona a alma, eterniza a beleza e se confunde com o ser humano
que serviu de modelo. Aí reside o inquietante do conto “O Retrato Oval” (Edgar
Allan Poe, 1842). Numa espécie de “Retrato de Dorian Gray” (Oscar Wild, 1890)
às avessas, Poe nos leva ao universo perturbador dos apaixonados pelas figuras
estáticas das obras de arte. O Retrato Oval, que primeiro intitulou-se “Morte
na Vida”, conta de um retrato que suga, e guarda em si, a essência de vida da
modelo e de seu momento, “uma garota que começava a desabrochar mulher(...)
uma donzela de rara beleza, e tão alegre quanto linda”. Assim como o de Dorian
Gray, é um retrato realizado por um pintor encantado pela beleza, pela
juventude e pela possibilidade de eterniza-la, de torna-la estática e perene,
aprisionando-a através das tintas que traduzem seu olhar apaixonado.
Dorian
Gray oferece sua alma ao quadro que passa a envelhecer no porão, enquanto ele
goza da juventude e beleza eternas. A jovem donzela, ao contrário, vai
definhando enquanto se submete a posar para seu marido, um famoso pintor, num
quarto com pouca luz (e pouca vida) situado numa das torres do palacete onde
viviam. A moça se oferece em sacrifício em nome do “prazer vivo e ardente” que podia perceber
tomar conta do marido enquanto realizava a tarefa de tornar sua obra “expressão
absoluta de vida”. Era assim que se sentia amada: se confundindo com a Arte que
seu marido tanto amava. Por outro lado “ele não quis ver que as tintas que
espalhava pela tela eram retiradas das faces dela, sentada ao seu lado”. O
retrato, se orgulhou o pintor, era a própria vida!
Mas,
vida, e tudo que ela traz consigo, é chama (como diz nosso Vinicius), então, só
se pode pretender infinita enquanto durar. Toda beleza e toda vida que se
pretende perene nos encaminha para o universo sinistro, do inquietante e,
sempre, uma morbidez estará presente, nos assombrando como zumbis ou qualquer
outro tipo de mortos-vivos. Fico pensando na atualidade desses retratos, dessas
relações: da relação com a própria imagem que leva a incansáveis buscas pelo
congelamento dos sinais do tempo e da relação com a ciência e com os recursos
tecnológicos (paletas e pincéis atuais) que nos fazem, por vezes, acreditar que
podemos nos blindar da ação do tempo e da vida. Seremos, nós, nossos próprios
retratos ovais?