segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O Inquietante Retrato Oval de Edgar Allan Poe


O Inquietante Retrato Oval de Edgar Allan Poe
Por Ana Lucia Gondim Bastos


O retrato que aprisiona a alma, eterniza a beleza e se confunde com o ser humano que serviu de modelo. Aí reside o inquietante do conto “O Retrato Oval” (Edgar Allan Poe, 1842). Numa espécie de “Retrato de Dorian Gray” (Oscar Wild, 1890) às avessas, Poe nos leva ao universo perturbador dos apaixonados pelas figuras estáticas das obras de arte. O Retrato Oval, que primeiro intitulou-se “Morte na Vida”, conta de um retrato que suga, e guarda em si, a essência de vida da modelo e de seu momento, “uma garota que começava a desabrochar mulher(...) uma donzela de rara beleza, e tão alegre quanto linda”. Assim como o de Dorian Gray, é um retrato realizado por um pintor encantado pela beleza, pela juventude e pela possibilidade de eterniza-la, de torna-la estática e perene, aprisionando-a através das tintas que traduzem seu olhar apaixonado.
Dorian Gray oferece sua alma ao quadro que passa a envelhecer no porão, enquanto ele goza da juventude e beleza eternas. A jovem donzela, ao contrário, vai definhando enquanto se submete a posar para seu marido, um famoso pintor, num quarto com pouca luz (e pouca vida) situado numa das torres do palacete onde viviam. A moça se oferece em sacrifício em nome do  “prazer vivo e ardente” que podia perceber tomar conta do marido enquanto realizava a tarefa de tornar sua obra “expressão absoluta de vida”. Era assim que se sentia amada: se confundindo com a Arte que seu marido tanto amava. Por outro lado “ele não quis ver que as tintas que espalhava pela tela eram retiradas das faces dela, sentada ao seu lado”. O retrato, se orgulhou o pintor, era a própria vida!
Mas, vida, e tudo que ela traz consigo, é chama (como diz nosso Vinicius), então, só se pode pretender infinita enquanto durar. Toda beleza e toda vida que se pretende perene nos encaminha para o universo sinistro, do inquietante e, sempre, uma morbidez estará presente, nos assombrando como zumbis ou qualquer outro tipo de mortos-vivos. Fico pensando na atualidade desses retratos, dessas relações: da relação com a própria imagem que leva a incansáveis buscas pelo congelamento dos sinais do tempo e da relação com a ciência e com os recursos tecnológicos (paletas e pincéis atuais) que nos fazem, por vezes, acreditar que podemos nos blindar da ação do tempo e da vida. Seremos, nós, nossos próprios retratos ovais?