Trem
Noturno para Lisboa
Por Ana Lucia
Gondim Bastos
Porque a direção da vida
está nas mãos do acaso, o professor suíço Raimund, personagem de Jeremy Irons
em “Trem Noturno para Lisboa” (Bille August, 2013),tem seu caminho a mais um
dia de trabalho atravessado pela oportunidade de salvar uma vida. A moça, que
tem seu projeto de suicídio impedido pelo professor, deixa poucas pistas de sua
história. Contudo, é através desse encontro que Raimund acaba por ter nas mãos
o livro do português Amadeu Almeida
Prado, cuja leitura é estopim para se deixar levar numa busca pelo seu sentido
de vida perdido. É justo dentro do livro, que lembra que o acaso rege a vida,
que Raimund encontra uma passagem de trem para Lisboa e, então, passa a ter
como interesse central de sua vida, há tempos sem interesse central, a busca
por conhecer aquele autor que fala da morte e da finitude como dando beleza e
horror à vida. Estrangeiro na terra de quem tocou tão fundo sua alma, Raimund
tem seus óculos quebrados e novas lentes começam a pesar menos em seu rosto
iluminado pelo interesse de desvendar uma história. A história, na qual começa
a entrar, tem registros truncados de difícil junção, como tantas histórias de
pessoas que resistiram a ditaduras (no caso a salazarista), mas cada fragmento
vem cheio de emoção, convicção e sentimento de vida vivida com intensidade e
fervor. O roteiro nos intriga e nos absorve como se estivéssemos frente a um
quebra cabeça de mais de mil peças. Cada novo encaixe revela uma surpresa no
que diz respeito à imagem que vai se formando. Imagem que vai remetendo Raimund
a profundas reflexões existenciais e a encontros transformadores. Impossível
não sermos tomados por essas reflexões, ainda mais às vésperas de um ano novo!
Amadeu diz que contava os dias para que eles não o esmagassem. Talvez seja por
isso que tenhamos que encerrar anos e recomeçar outros, contando o tempo para
melhor lidar com ele, sem que o peso da incerteza do que estar por vir pese
como chumbo em nossas costas. Ao contrário, precisamos que tal incerteza se
banhe de esperança nos bons encontros e nas histórias de amor que ainda vamos
viver. Que estejamos sempre prontos para trocar nossas lentes, quando estiverem
pesando muito em nossos rostos, e que estejamos sempre prontos para embarcar em
viagens que nos proporcionem novos encontros, outras paragens e trilhas alternativas. Feliz 2015!