sexta-feira, 4 de julho de 2014

A LUZ DA VERDADE OU A VERDADE DAS LUZES


                      
                             A Luz da Verdade ou a Verdade das Luzes

(texto publicado no Jornal Gazetinha de Curitiba em 24/12/2004)

                                                               Ana Claudia Bastos e Ana Lucia Bastos
 
                                        
Quando eu era pequeno vivia tentando entender a diferença entre a verdade verdadeira, a verdade da imaginação e a mentira. De uma coisa eu tinha certeza: esta dúvida me perturbava e me deixou intrigado por muitos anos.
Hoje, vou contar para vocês o momento no qual passei a entender melhor  tudo isso e parei de me atormentar e de atormentar os outros com essa história de querer saber exatamente no que podia acreditar e no que podia fazer os outros acreditarem.
Era época de final de ano, momento no qual as cidades se enchem de luzes... muitas luzes. As árvores das ruas, na cidade onde eu morava, eram enroladas com fios repletos de pequenas lâmpadas. O contorno das portas das casas e as grades dos prédios também eram enfeitados com tais fios de luz, o que dava uma sensação boa de magia e encantamento. Parecia que de verdade a gente estava vivendo no mundo da imaginação.
Terminadas as aulas, naquele ano fui passar as férias na chácara da minha avó, um lugar onde a luz elétrica só existia até às oito horas da noite. Por incrível que pareça, guardo na memória esse final de ano como uma época de muitas luzes. Só que lá eram as luzes do céu que davam a impressão de estarmos de verdade no mundo da imaginação! Em dia de lua, tudo ficava iluminado com uma luz azul suave, que era o suficiente para andar pelo pomar sem precisar de lanterna. Mas o encantamento maior ficava para os dias sem lua, quando eu e os meus primos estendíamos um lençol na grama e ficávamos contando aquela infinidade de estrelas, até que uma caísse, possibilitando que fizéssemos mais um pedido.
Minha tia, que morava com a vovó, um dia resolveu ir conosco contar estrelas cadentes. Ficamos animadíssimos, pois ela era muito divertida. Falava qualquer coisa, sobre qualquer assunto de uma forma só dela, interessante e cheia de vida ... e de vida da imaginação! Lá, deitados no lençol úmido de orvalho e sentindo o cheiro da terra, que era o cheiro de lá, resolvi confidenciar que não sabia o que era a verdade e contar do meu sofrimento desde a primeira vez que tive essa dúvida. Já estava esperando aquela gozação, quando minha tia, com atitude de quem tinha levado a sério minha questão, passou a contar a história mais linda e verdadeira que já ouvi:
A história que ela contou foi a do nascimento da primeira estrela. Disse que quando o mundo já tinha toda a beleza e cores que hoje conhecemos, com árvores, flores, pessoas e animais, todos diferentes uns dos outros, um dia alguém olhou para o céu e achou aquele escuro muito triste. De repente aquela tristeza tomou todos os seres terrestres, fazendo com que todos sentissem a necessidade de encher o céu também de beleza, fazendo da noite um momento de encantamento e magia. Então, as ideias foram aparecendo. Eram ideias de todos os tipos, algumas até bem malucas (como sempre acontece quando estamos inventando alguma coisa!). Um pensou em cravar no céu pedras preciosas, outros em encher o céu de peixes
coloridos que poderiam unir-se ao mar lá no horizonte... Até que um menino bem pequeno, o menor de todos ali, disse:
A coisa mais bonita que eu conheço e que me traz mais alegria, é receber um beijo de alguém especial para mim, alguém que eu ame muito.
Neste momento a primeira estrela brilhou no céu e, a partir de então, cada beijo dado com amor acende uma estrela.
Pela primeira vez não precisei perguntar se a história era de verdade verdadeira, porque havia entendido aquela verdade! Naquele dia cheguei em casa e recebi o beijo de minha mãe de uma forma diferente.
Hoje, cresci,  já tenho filhos, e nunca esqueço de dar-lhes beijos de boa noite, pois sei da minha responsabilidade de tornar o mundo mais bonito.
foto Ana Claudia Bastos