A Luz da Verdade ou a Verdade das Luzes
(texto publicado no Jornal Gazetinha de Curitiba em 24/12/2004)
Ana Claudia Bastos e Ana Lucia Bastos
Quando eu era
pequeno vivia tentando entender a diferença entre a verdade verdadeira, a
verdade da imaginação e a mentira. De uma coisa eu tinha certeza: esta dúvida
me perturbava e me deixou intrigado por muitos anos.
Hoje, vou
contar para vocês o momento no qual passei a entender melhor tudo isso e
parei de me atormentar e de atormentar os outros com essa história de querer
saber exatamente no que podia acreditar e no que podia fazer os outros
acreditarem.
Era época de
final de ano, momento no qual as cidades se enchem de luzes... muitas luzes. As
árvores das ruas, na cidade onde eu morava, eram enroladas com fios repletos de
pequenas lâmpadas. O contorno das portas das casas e as grades dos prédios
também eram enfeitados com tais fios de luz, o que dava uma sensação boa de
magia e encantamento. Parecia que de verdade a gente estava vivendo no mundo da
imaginação.
Terminadas as
aulas, naquele ano fui passar as férias na chácara da minha avó, um lugar onde
a luz elétrica só existia até às oito horas da noite. Por incrível que pareça,
guardo na memória esse final de ano como uma época de muitas luzes. Só que lá
eram as luzes do céu que davam a impressão de estarmos de verdade no mundo da imaginação!
Em dia de lua, tudo ficava iluminado com uma luz azul suave, que era o
suficiente para andar pelo pomar sem precisar de lanterna. Mas o encantamento
maior ficava para os dias sem lua, quando eu e os meus primos estendíamos um
lençol na grama e ficávamos contando aquela infinidade de estrelas, até que uma
caísse, possibilitando que fizéssemos mais um pedido.
Minha tia, que
morava com a vovó, um dia resolveu ir conosco contar estrelas cadentes. Ficamos
animadíssimos, pois ela era muito divertida. Falava qualquer coisa, sobre
qualquer assunto de uma forma só dela, interessante e cheia de vida ... e de
vida da imaginação! Lá, deitados no lençol úmido de orvalho e sentindo o cheiro
da terra, que era o cheiro de lá, resolvi confidenciar que não sabia o que era
a verdade e contar do meu sofrimento desde a primeira vez que tive essa dúvida.
Já estava esperando aquela gozação, quando minha tia, com atitude de quem tinha
levado a sério minha questão, passou a contar a história mais linda e
verdadeira que já ouvi:
A história que
ela contou foi a do nascimento da primeira estrela. Disse que quando o mundo já
tinha toda a beleza e cores que hoje conhecemos, com árvores, flores, pessoas e
animais, todos diferentes uns dos outros, um dia alguém olhou para o céu e achou
aquele escuro muito triste. De repente aquela tristeza tomou todos os seres
terrestres, fazendo com que todos sentissem a necessidade de encher o céu
também de beleza, fazendo da noite um momento de encantamento e magia. Então,
as ideias foram aparecendo. Eram ideias de todos os tipos, algumas até bem
malucas (como sempre acontece quando estamos inventando alguma coisa!). Um
pensou em cravar no céu pedras preciosas, outros em encher o céu de peixes
coloridos que
poderiam unir-se ao mar lá no horizonte... Até que um menino bem pequeno, o
menor de todos ali, disse:
A coisa mais
bonita que eu conheço e que me traz mais alegria, é receber um beijo de alguém
especial para mim, alguém que eu ame muito.
Neste momento
a primeira estrela brilhou no céu e, a partir de então, cada beijo dado com
amor acende uma estrela.
Pela primeira
vez não precisei perguntar se a história era de verdade verdadeira, porque
havia entendido aquela verdade! Naquele dia cheguei em casa e recebi o beijo de
minha mãe de uma forma diferente.
Hoje,
cresci, já tenho filhos, e nunca esqueço de dar-lhes beijos de boa noite,
pois sei da minha responsabilidade de tornar o mundo mais bonito.
foto Ana Claudia Bastos