O encontro de Israel Galván e Akram Khan em “Torobaka”: Se perder e se achar, parte II
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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O documentário de Win Wenders sobre
Pina Bausch (2011), traz um imperativo da coreógrafa e bailarina alemã: “Dance,
dance, otherwise we ere lost” (Dance, dance, senão estamos perdidos). Um
imperativo que, de cara, tendo a defender. A dança integra, de modo muito
particular e privilegiado, o que corpo e alma têm a dizer, integra o que é da
ordem do suor ao que é da ordem da lágrima, integra o peso do corpo com o das
angústias existenciais, assim como a leveza dos movimentos ao prazer da expressão subjetiva. Como só
podemos acontecer no mundo a partir dessa integração, quem não encontra formas
de perceber e se colocar nessa pulsação do mundo, está perdido. Perdido de
quem? Me perguntava, então. E a resposta imediata era: perdido de si próprio.
Contudo, essa reflexão ganhou outra
complexidade depois de assistir ao genial “Torobaka” de Israel Galván e Akram
Khan, no Auditório do Ibirapuera, durante o Festival “O Boticário na
Dança”(2015). Dois bailarinos e coreógrafos, com fama internacional, se juntam
para idealizar um espetáculo. Falam línguas diferentes, inclusive as corporais
- um é espanhol e dança flamenco, o outro inglês, de família de Bengali, e
dança kathak. São reconhecidos pela capacidade de criar o novo e desafiar o
convencional, sem perder suas raízes, partes delas, talvez compartilhadas,
ainda que remotamente: Akran é de tradição indiana e Israel traz com o flamenco
a tradição cigana, que, segundo consta, iniciou sua peregrinação mundo afora
partindo da Índia. A primeira tem a vaca como animal sagrado, assim como o
touro, na tradição flamenca, tem valor simbólico central. Daí o nome do espetáculo
“Torobaka”, daí o ponto de partida para apresentar, um para o outro, seus
movimentos e intencionalidades. Perceberam que jamais teriam a fluência
necessária para expressar conteúdos mais profundos de suas experiências, na
nova dança apresentada (coisa que, diga-se de passagem, também, acontece muito no quando das
aquisições de novas línguas), mas seguiram o diálogo e, no fim,
Akran continuou com seus pés descalços e com guizos nos tornozelos e Israel com
seus sapatos de sapateado flamenco. Convidaram músicos de várias partes do
mundo (belga, basco, austríaco etc.) e foram dançando, ora num diálogo que
apresenta uma mesma sintonia, ora numa espécie de duelo, deixando muito
evidente aproximações e distanciamentos, com os quais tecem o tecido do
espetáculo. Lindo e tocante! Isso sem falar que, no caso da apresentação ter
acontecido num auditório cujo fundo do palco se abre, como uma janela, para um
parque e para uma larga e movimentada avenida que tangencia tal parque, e, em
determinado momento, já no final do espetáculo - quando já estávamos
completamente tomados pelo o que estava acontecendo no palco com pouca luz e cor, ao mesmo tempo que muito som e
movimento - a janela começou a se abrir e o vento frio do outono entrou junto com
a paisagem “lá de fora”. Mais integração das ambivalências das experiências humanas,
ali compactadas e entregues como um presente à plateia absorta. E, então, acaba
o espetáculo e o imperativo de Pina me volta à cabeça de forma diferente:
“Dance, Dance, senão estamos perdidos”, não só de nós mesmo, mas uns dos outros,
também!