sábado, 9 de maio de 2015

O encontro de Israel Galván e Akram Khan em “Torobaka”: Se perder e se achar, parte II


O encontro de Israel Galván e Akram Khan em “Torobaka”: Se perder e se achar, parte II
                                                            Por Ana Lucia Gondim Bastos
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O documentário de Win Wenders sobre Pina Bausch (2011), traz um imperativo da coreógrafa e bailarina alemã: “Dance, dance, otherwise we ere lost” (Dance, dance, senão estamos perdidos). Um imperativo que, de cara, tendo a defender. A dança integra, de modo muito particular e privilegiado, o que corpo e alma têm a dizer, integra o que é da ordem do suor  ao que é da ordem da lágrima, integra o peso do corpo com o das angústias existenciais, assim como a leveza dos movimentos  ao prazer da expressão subjetiva. Como só podemos acontecer no mundo a partir dessa integração, quem não encontra formas de perceber e se colocar nessa pulsação do mundo, está perdido. Perdido de quem? Me perguntava, então. E a resposta imediata era: perdido de si próprio.
Contudo, essa reflexão ganhou outra complexidade depois de assistir ao genial “Torobaka” de Israel Galván e Akram Khan, no Auditório do Ibirapuera, durante o Festival “O Boticário na Dança”(2015). Dois bailarinos e coreógrafos, com fama internacional, se juntam para idealizar um espetáculo. Falam línguas diferentes, inclusive as corporais - um é espanhol e dança flamenco, o outro inglês, de família de Bengali, e dança kathak. São reconhecidos pela capacidade de criar o novo e desafiar o convencional, sem perder suas raízes, partes delas, talvez compartilhadas, ainda que remotamente: Akran é de tradição indiana e Israel traz com o flamenco a tradição cigana, que, segundo consta, iniciou sua peregrinação mundo afora partindo da Índia. A primeira tem a vaca como animal sagrado, assim como o touro, na tradição flamenca, tem valor simbólico central. Daí o nome do espetáculo “Torobaka”, daí o ponto de partida para apresentar, um para o outro, seus movimentos e intencionalidades. Perceberam que jamais teriam a fluência necessária para expressar conteúdos mais profundos de suas experiências, na nova dança apresentada (coisa que, diga-se de passagem, também, acontece muito no quando das aquisições de novas línguas), mas seguiram o diálogo e, no fim, Akran continuou com seus pés descalços e com guizos nos tornozelos e Israel com seus sapatos de sapateado flamenco. Convidaram músicos de várias partes do mundo (belga, basco, austríaco etc.) e foram dançando, ora num diálogo que apresenta uma mesma sintonia, ora numa espécie de duelo, deixando muito evidente aproximações e distanciamentos, com os quais tecem o tecido do espetáculo. Lindo e tocante! Isso sem falar que, no caso da apresentação ter acontecido num auditório cujo fundo do palco se abre, como uma janela, para um parque e para uma larga e movimentada avenida que tangencia tal parque, e, em determinado momento, já no final do espetáculo - quando já estávamos completamente tomados pelo o que estava acontecendo no palco com pouca luz  e cor, ao mesmo tempo que muito som e movimento - a janela começou a se abrir e o vento frio do outono entrou junto com a paisagem “lá de fora”. Mais integração das ambivalências das experiências humanas, ali compactadas e entregues como um presente à plateia absorta. E, então, acaba o espetáculo e o imperativo de Pina me volta à cabeça de forma diferente: “Dance, Dance, senão estamos perdidos”, não só de nós mesmo, mas uns dos outros, também!