Cinderella
(para Flora, tão pequena e já com tanta atitude e coragem)
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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Apesar
de estar longe de propor uma nova versão para o conto de fadas, transformado em
animação, pelos Estúdios Disney, em 1950, o recém lançado longa metragem
Cinderella, dirigido por Kenneth Branagh, traz elementos dignos de nota. A
narrativa linear e sem surpresas, faz com que os bem pequenos consigam
acompanhar, sem maiores dificuldades, o filme que traz cores e texturas que se
apresentam como um convite a entrar num livro de contos encantados, daquelas
edições especiais que, ainda hoje, enchem os olhos das crianças, nas
prateleiras das livrarias ou nas mãos do adulto à beira da cama, na hora de dormir.
Mas, não é exatamente, esse clima de magia, tampouco a narrativa linear, que
faz com que o filme se apresente como uma opção interessante para um dia no
cinema em companhia mirim.
A história da Cinderella, começa com ela ainda
bebê, crescendo numa família que tinha em seu cotidiano a valorização do olhar que
se abre para a possibilidade de projetar novas realidades no mundo,
percebendo-o de forma dinâmica e com encantamento e magia. Antes de morrer, sua
mãe, deixa como herança o ensinamento de que o principal na vida é ter coragem
e gentileza. Sim, Cinderella não se daria bem e encontraria a felicidade por
ser bela e obediente, mas pelo cultivo da coragem e da gentileza, o que faz
muita diferença! Assim, quando entram em cena a madrasta má (papel da excelente
Cate Blanchett) e suas filhas Anastasia e Drisella, Cinderella não as recebe
com subserviência e é invejada pela beleza, o que está em jogo, na relação
desta Cinderella com os novos personagens de sua história, é a gentileza e a
coragem de enfrentar “a barra da vida”. Anastasia e Driesella são tão bonitas
ou inteligentes quanto Ciderella, o que lhes falta é atitude diante da vida e
de seus projetos. Essa é a diferença entre elas. Enquanto as duas primeiras
esperam que seus desejos se realizem por serem especiais, a última procura
manter a crença nas relações com o mundo baseadas na generosidade e na força
transformadora de realidades. Numa das vezes que sai galopando pela floresta,
afim de se afastar um pouco do clima de animosidade de sua casa, após a morte
de seu pai, Cinderella conhece um rapaz que acompanhava um grupo de caça e, com
ele, trava um diálogo no qual questiona os porquês de fazermos as coisas como
sempre foram, simplesmente, por repetição acrítica. O rapaz, em questão, que
passaria a povoar sonhos e devaneios de Cinderella, tratava-se do príncipe
herdeiro, mas ela desconhecia o fato. O príncipe, por outro lado, também
encantou-se com a moça, novamente, menos pela beleza e mais pela forma como ela
se colocou na conversa que travaram, fazendo com que o fizesse, inclusive, passar
a discutir as regras reais através das quais só poderia se casar com uma
princesa. Queria escolher alguém como sua companheira, alguém que o fizesse se
sentir como se sentiu com aquela moça, que o motivou a questionar os porque do “sempre
assim” da vida. No final, o príncipe propõe um baile para todo o reino, na
esperança de rever a moça com a qual se encantou. A madrasta e as irmãs rasgam
o vestido que Cinderella arrumara para ir ao baile, é quando entra em cena a fada
madrinha (outra atuação muito boa de
Helena Bonhan Carter) que transforma uma abobora em carruagem e ratos em
cavalos e todo o “Bibidi-Bobidi-Boo”, velho nosso conhecido, até o tão aguardado
reencontro do casal, separado pelas doze badaladas.
Portanto, não podemos dizer que o novo filme
da Cinderella é um grande marco para o cinema voltado ao público infantil, mas, as mudanças sutis que traz no
enredo, nos faz sair do cinema com menos receio de que, através das histórias
que apresentamos para nossas meninas, estejamos a construir prisões em forma de
castelos e alternativas de caminho para
o feminino sempre como sapatinhos de cristais: apenas encantadores pela beleza
e fragilidade.