Lá na Terra do Nunca
Por Ana Lucia Gondim
Bastos
A história de Peter Pan e Wendy (Barrie, 1901) conta de um vôo realizado
num momento da vida, no qual é inevitável a percepção de que se tem
que crescer. Um vôo para uma Terra regida por duas forças antagônicas
representadas, respectivamente, por um menino que tem todos os dentes de leite
e não envelhece nunca e por um velho pirata,
assustado com a morte, que tem em seu encalço um jacaré que, através do tique
taque do relógio que leva dentro da barriga, anuncia que o tempo do pirata
Gancho está acabando. Na verdade o jacaré, representante da morte, já lhe
engoliu um braço e, em breve, o engolirá inteiro! Esse vôo ocorre, na maior
parte das histórias, durante a adolescência. Contudo, adverte Barrie, os pais
dos aventureiros precisam cuidar de manter as janelas de casa abertas para que seus
filhos possam voltar e não fiquem presos lá, sem conseguir colocar seu
desenvolvimento em curso, podendo aproveitar as novas fases da vida. O próprio
Barrie, ao que tudo indica, foi um aventureiro que teve a janela de casa
fechada em virtude da precoce morte do irmão mais velho que fez com que sua mãe
caísse numa depressão que a impediu de ter um olhar de investimento no filho
mais novo. A inspiração para o personagem Peter Pan também parece ter vindo de
uma outra história de janela fechada: dessa vez por conta da morte repentina do
pai de um garotinho que, juntamente com seus outro quatro irmãos, costumava
encontrar com Barrie durante seus passeios com seu cachorro São Bernardo. E
exemplos de janelas fechadas e pessoas presas à Terra do Nunca: crianças
eternas ou velhos (não menos infantis, até por serem o outro lado da mesma
moeda) apavorados com iminência da morte, driblando qualquer sinal da passagem
do tempo, não deve faltar no roteiro de vida de ninguém. Ainda mais em tempos
de superinvestimentos narcísicos! Vale notar que a idade é bem variada, tanto
das crianças eternas, quanto dos velhos assustados, já que estamos falando de
atitudes diante da vida, das suas dores e delícias. Sempre gostei dessas
imagens para falar sobre caminhos e percalços do desenvolvimento humano e, por
isso mesmo, acho que mais cedo ou mais tarde, acabaria escrevendo um texto
sobre Peter Pan. Contudo, acho que sei porque foi hoje que tive vontade, talvez
necessidade, de escrever este texto. Hoje, tive a notícia da morte de Robin
Williams, ao que parece, por suicídio. O ator que tinha a cara de Peter Pan, não
só por ter feito um filme representando o personagem, mas por tantos outros papéis
lúdicos e encantados que trazia no currículo, parece ter encontrado janelas
fechadas! Ele, que abriu, para tanta gente, tantas janelas com seus personagens,
desistiu te tentar abrir as suas próprias. Um momento duro, de muita dor e que
merece muito respeito. Deixo, então, aqui, meu registro de gratidão pelo Popeye, pelo
Path Adams, pelo Peter Pan, pelo Gênio do Aladin, pela babá quase perfeita, pelo idealizador da Sociedade dos Poetas Mortos e
por todos os personagens que continuarão conosco trazendo a magia que
precisamos para encarar a vida adulta livres da Terra do Nunca!