quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Onde Whiplash esbarra no Cisne Negro


Onde Whiplash esbarra no Cisne Negro
             Por Ana Lucia Gondim Bastos
novo endereço do blog: https://tecendoatrama.wordpress.com/ 

Dois jovens no início de suas trajetórias profissionais, buscando abrir espaço para mostrar a que vieram: Andrew com suas baquetas e Nina com suas sapatilhas.  Andrew tem apenas o pai como figura parental de referência e Nina, apenas a mãe. O pai de Andrew parece se sentir tão abandonado quanto o filho, por uma mãe sobre a qual pouco se sabe, pois a dupla pouco conversa, apesar de se fazerem companhia, principalmente para assistir a filmes comendo pipoca (aliás, os raros diálogos entre pai e filho se limitam à comentários sobre a pipoca da hora do filme). A mãe de Nina demostra a todo momento ter sua vida girando em torno da vida da moça, ainda tratada como criança, ou melhor, tratada como uma boneca na qual a mãe projeta todos os seus ideais. São personagens de filmes e de diretores diferentes. O primeiro é o personagem central de Whiplash de Damian Chazelle (indicado ao Oscar de melhor filme de 2015) e interpretado por Miles Teller. A segunda de Cisne Negro de Darren Aronofsky (indicado ao Oscar de melhor filme em 2011), interpretada por Natalie Portman. Têm em comum, além da juventude, a atitude de isolamento, a insegurança, a dificuldade de relacionamento e o sonho de encontrarem um lugar ao sol, um caminho de sucesso nas artes escolhidas: ele na música e ela no ballet. Sim, a determinação e a disciplina são outro ponto em comum desses jovens que nos cativam, inclusive, por suas fragilidades. Impossível não assistir a um desses filmes sem torcer por eles! Torcer para que fiquem bem, para que passem a curtir as possibilidades que a música ou a dança podem lhes oferecer, para que se relacionem de forma mais leve com o mundo e para que, sim, tenham seu esforço reconhecido. Mas, eles parecem querer mais que isso, eles precisam de uma aprovação, de um reconhecimento e de um desempenho sobre humanos. Sofrem da sensação de nunca serem suficientes. Suficiente para que? Acho que não chegam a se perguntar. Mas, encontram em seus destinos um maestro (no caso dele)  e um coreógrafo (no caso dela), convencidos de terem a medida da excelência e dispostos a passar por cima de qualquer limite e a correr qualquer risco para chegar onde querem: na execução perfeita da música ou da dança. Um encontro que, em alguns momentos, pode até parecer promissor, mas, que logo evidencia seu poder desorganizador e destrutivo. Os cartazes dos filmes contam de uma boneca de porcelana quebrada e de um rapaz que tem nas baquetas trampolim para um abismo: cartazes que contam tudo, traduzem os filmes. Apesar de terem optado por formas diferentes de desfecho para seus roteiros, os diretores, nessa perspectiva que apresento, falam da mesma coisa: da inconsequente falta de cuidado com a fragilidade humana que algumas relações comporta, e da inversão de valores que acontece toda vez que a busca pela perfeição impede de se observar limites humanos. O sentido da vida passa a escapar da própria vida, a se sobrepor a ela. Assim, ela passa a ser apenas um meio para se deixar um legado de perfeição, ainda se morra mais cedo, mais rápido e de forma mais dolorosa. Num dos filmes isso fica explicitado no desfecho, no outro, nem tanto. Contudo, o final dramático me pareceu evidente em ambos. Me surpreendeu, portanto, ouvir opiniões que traziam a ideia de que um dos personagens tenha obtido um “final feliz” na busca pela perfeição. Até porque a perfeição marcaria o fim do desejo, o encerrar de qualquer busca, em outras palavras, se refere à morte. Seria esse o “final feliz” que tais opiniões expressam ou será que não se deram conta do preço pago pela tal busca da perfeição?