ERA UMA VEZ UMA VEZ UM
PAPAI NOEL (2005)
Por Ana Lucia Gondim Bastos
Por Ana Lucia Gondim Bastos
Era dia de encerramento de
ano letivo. A despedida deste, vinha acontecendo há quase um mês, para a turma daquela menina que estava
prestes a encerrar o ensino infantil e ingressar no Fundamental. Mas, último
dia é sempre último dia - é nele que o coração aperta pra valer! Pela manhã
cantariam, pela última vez, no coral das crianças menores e, à noite, a turma
que vinha estudando o sistema monetário brasileiro enquanto economizava moedas
num cofre comum, se reuniria para um filme com pizza, na própria escola.
Definitivamente, programa de gente crescida!
Aconteceu que entre o
programa da manhã e o da noite, aquela menina sentiu a necessidade de conversar
com a avó sobre as coisas da vida, sobre verdades e mentiras. Desde sempre
estabelecera com a avó materna uma relação de bastante cumplicidade. Acho que
foi por isso que a escolheu para comunicar seu crescimento e pedir ajuda no
momento de entrada no código dos adultos.
Perguntou de maneira,
inicialmente, displicente:
- Vó, existe Papai Noel de
verdade?
A avó orientou que
conversasse com a mãe, pois as mães, acreditava ela, tem um jeito muito
especial e bonito de contar para as filhas sobre os mistérios da vida. Mas, a
menina insistiu:
- Vó, quero saber de você!
Gosto do jeito que você me conta as coisas. – Acho que ela se referia à forma
direta e sem floreios, característico dessa avó, de tratar os assuntos de um modo geral, dos mais
simples aos mais delicados.
E, quando a avó confirmou
a hipótese, provavelmente levantada há algum tempo, a menina surpreendeu-se:
- Vó, mas, todos os pais
mentem pros seus filhos? – perguntou em tom de indignação.
Talvez tenha se sentido à
vontade para fazer essa pergunta por não lembrar, pelo menos por um momento,
que sua avó também é mãe e que, portanto, pela pesquisa desenvolvida até aqui,
também faria parte do grupo de mentirosos e traidores.
A avó, então, orientou, novamente,
que conversasse com sua mãe. Desta vez argumentou que só assim teria certeza de
que os pais não mentem para os seus filhos, e sim, preparam-nos para o mundo.
O certo foi que, desta
vez, ela acatou a sugestão e partiu para o segundo passo de sua investigação.
Num momento oportuno, perguntou baixinho:
- Mãe, Papai Noel existe
de verdade?
Sem saber da primeira
parte da história, a mãe respondeu com outra pergunta:
- Você quer saber se
existe uma pessoa bem velhinha, morando num lugar bem gelado e pouco habitado,
que fabrica brinquedos o ano todo para distribuí-los para as crianças do mundo,
num único dia, quando dirige um trenó voador puxado por renas encantadas?
- É, mãe! É isso que eu
quero saber, se Papai Noel existe de verdade! – repetiu, já meio sem paciência.
- O que você achai? –
voltou a perguntar.
- Acho que existe, mas
quero saber de você! Papai Noel existe mesmo? É verdade?
- É verdade, já que
acreditamos. Na verdade, a gente constrói verdades! – respondeu, a mãe, cheia
de convicção.
- Mãe, mas eu quero a
verdade verdadeira, Papai Noel existe ou não?
- Existe tanto quanto o
saci ou o curupira.
- Então não existe, mãe!
- Existe como lenda. Além
do mais, numa situação de medo, não tem quem não acredite em qualquer uma
dessas assombrações!
Então, veio a pergunta
mais intrigante. A que esteve o tempo todo por trás de todas as outras:
- Quer dizer que os pais
mentem pros filhos, o tempo todo?
- Não, filha, não é
mentira, é só uma forma de apresentar o mundo de uma forma mágica e cheia de
encanto. Você, agora, já sabe ler, já sabe escrever e já entende o mundo como
uma criança crescida. Mas, só uma criança que acreditou na magia pode continuar
experimentando o mundo com encantamento. Com o mesmo encantamento que virá a apresenta-lo,
às crianças menores, quando for adulta.
O papo parou por aí, mas
não foi possível deixar de notar que, ao escolher a roupa para o programa da
noite, pediu para que a mãe pregasse à camiseta branca um estrela de paetê
prata, adereço que deu um charme todo especial à roupa. A mãe lembrou que a
estrela prateada que, agora fazia parte de uma camiseta a ser usada com calça
jeans, um dia fez parte de uma fantasia de fada. Naquele momento, assistiu ao
encantamento ser ressignificado e teve a certeza que seria levado pela vida afora.