sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Histórias de crianças - Parte II


ERA UMA VEZ UMA VEZ UM PAPAI NOEL (2005)
Por Ana Lucia Gondim Bastos

Era dia de encerramento de ano letivo. A despedida deste, vinha acontecendo há quase um mês,  para a turma daquela menina que estava prestes a encerrar o ensino infantil e ingressar no Fundamental. Mas, último dia é sempre último dia - é nele que o coração aperta pra valer! Pela manhã cantariam, pela última vez, no coral das crianças menores e, à noite, a turma que vinha estudando o sistema monetário brasileiro enquanto economizava moedas num cofre comum, se reuniria para um filme com pizza, na própria escola. Definitivamente, programa de gente crescida!
Aconteceu que entre o programa da manhã e o da noite, aquela menina sentiu a necessidade de conversar com a avó sobre as coisas da vida, sobre verdades e mentiras. Desde sempre estabelecera com a avó materna uma relação de bastante cumplicidade. Acho que foi por isso que a escolheu para comunicar seu crescimento e pedir ajuda no momento de entrada no código dos adultos.
Perguntou de maneira, inicialmente, displicente:
- Vó, existe Papai Noel de verdade?
A avó orientou que conversasse com a mãe, pois as mães, acreditava ela, tem um jeito muito especial e bonito de contar para as filhas sobre os mistérios da vida. Mas, a menina insistiu:
- Vó, quero saber de você! Gosto do jeito que você me conta as coisas. – Acho que ela se referia à forma direta e sem floreios, característico dessa avó, de  tratar os assuntos de um modo geral, dos mais simples aos mais delicados.
E, quando a avó confirmou a hipótese, provavelmente levantada há algum tempo, a menina surpreendeu-se:
- Vó, mas, todos os pais mentem pros seus filhos? – perguntou em tom de indignação.
Talvez tenha se sentido à vontade para fazer essa pergunta por não lembrar, pelo menos por um momento, que sua avó também é mãe e que, portanto, pela pesquisa desenvolvida até aqui, também faria parte do grupo de mentirosos e traidores.
A avó, então, orientou, novamente, que conversasse com sua mãe. Desta vez argumentou que só assim teria certeza de que os pais não mentem para os seus filhos, e sim, preparam-nos para o mundo.
O certo foi que, desta vez, ela acatou a sugestão e partiu para o segundo passo de sua investigação. Num momento oportuno, perguntou baixinho:
- Mãe, Papai Noel existe de verdade?
Sem saber da primeira parte da história, a mãe respondeu com outra pergunta:
- Você quer saber se existe uma pessoa bem velhinha, morando num lugar bem gelado e pouco habitado, que fabrica brinquedos o ano todo para distribuí-los para as crianças do mundo, num único dia, quando dirige um trenó voador puxado por renas encantadas?
- É, mãe! É isso que eu quero saber, se Papai Noel existe de verdade! – repetiu, já meio sem paciência.
- O que você achai? – voltou a perguntar.
- Acho que existe, mas quero saber de você! Papai Noel existe mesmo? É verdade?
- É verdade, já que acreditamos. Na verdade, a gente constrói verdades! – respondeu, a mãe, cheia de convicção.
- Mãe, mas eu quero a verdade verdadeira, Papai Noel existe ou não?
- Existe tanto quanto o saci ou o curupira.
- Então não existe, mãe!
- Existe como lenda. Além do mais, numa situação de medo, não tem quem não acredite em qualquer uma dessas assombrações!
Então, veio a pergunta mais intrigante. A que esteve o tempo todo por trás de todas as outras:
- Quer dizer que os pais mentem pros filhos, o tempo todo?
- Não, filha, não é mentira, é só uma forma de apresentar o mundo de uma forma mágica e cheia de encanto. Você, agora, já sabe ler, já sabe escrever e já entende o mundo como uma criança crescida. Mas, só uma criança que acreditou na magia pode continuar experimentando o mundo com encantamento. Com o mesmo encantamento que virá a apresenta-lo, às crianças menores, quando for adulta.
O papo parou por aí, mas não foi possível deixar de notar que, ao escolher a roupa para o programa da noite, pediu para que a mãe pregasse à camiseta branca um estrela de paetê prata, adereço que deu um charme todo especial à roupa. A mãe lembrou que a estrela prateada que, agora fazia parte de uma camiseta a ser usada com calça jeans, um dia fez parte de uma fantasia de fada. Naquele momento, assistiu ao encantamento ser ressignificado e teve a certeza que seria  levado pela vida afora.

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