WHIPLASH
Por Ana Lucia Gondim Bastos
novo endereço do blog: https://tecendoatrama.wordpress.com/
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A busca pela perfeição pode ser o
outro lado de um relato selvagem. Somos humanos e, portanto, temos recursos para
lidar com nossos impulsos e para dar a eles destinos diferentes ao que acontece
na “natureza selvagem”. Sim, somos seres de cultura e, portanto, é impossível
pensarmos nossa existência dissociada de nossa história e de nossos contornos
sociais. Lembra-nos Hannah Arendt que, em latim, a expressão VIVER
é a mesma da que comunica ESTAR ENTRE OS HOMENS (inter homines esse), assim
como MORRER e DEIXAR DE ESTAR ENTRE OS HOMENS (inter hominies desinere), são
sinônimos. Daí a riqueza de recursos para lidar com nossas constantes demandas
internas e externas, riqueza em função da qual existe a possibilidade de não
fazermos relatos selvagens de nossas narrativas de vida cotidiana (retomando a
temática trazida por Damian Szifrón em sua última produção e discutida aqui no
blog no dia 10/12/2014). Assim, ser humano é, também, ser capaz de produzir
arte e ciência. É ser capaz de criar sempre novas formas de ampliação das possibilidades
de expressarmos a dor e a delícia das nossas experiências no mundo e de
ampliarmos, inclusive, as possibilidades de experiências que podemos ter. E foi
assim que construímos engenhocas para voar, para nadar mais fundo ou até mais
longe, para falarmos à qualquer distância, para ouvir a música que uma outra
pessoa tocou num outro lugar, para congelar imagens de coisas e momentos belos
e que nos trarão alegria ao rever, que inventamos histórias, plantamos flores e
também árvores de sombra e frutos gostosos... ou seja, que “pintamos e bordamos” nesse tempo que
passamos por aqui. Enquanto isso, é claro, ensinamos para os jovens que
continuarão aí, após nossa morte, a ouvir e, quem sabe tocar ou dançar, as músicas
que nos fizeram sonhar, a como construir os lugares que hoje vivemos e tudo o
que sabemos sobre o “pintar e bordar” atual, para que tais jovens sejam capazes
de continuar, sempre transformando e ampliando, nossa arte de ser gente no
mundo!
Mas,
se tudo isso é verdade, uma verdade até que bem divertida, também é verdade que
nossas engenhocas não são infalíveis, que nosso corpo não é incansável e que
nossa possibilidade de controle sobre os fatos, atos e criações são limitadas.
E, por isso, comecei esse texto com a afirmação de que viver a busca pela
perfeição pode representar o outro lado da moeda de viver como se só tivéssemos
a alternativa de narrativa, baseada nas reações impulsivas, instantâneas e
impensadas que são a força motriz dos relatos selvagens. E como todo outro lado
de uma mesma coisa, os dois acabam por resultar em relações e relatos de vida
análogos.
Não
costumo apreciar muito subtítulos escolhidos para traduções de nome de filmes
americanos, mas, no caso de Whiplash (2014), “a busca pela perfeição”, caiu
como uma luva! Desse filme, do jovem diretor Damien Chazelle, também saímos impactados
(e exauridos) pela tensão constante que Terence Fletcher, regente da principal
orquestra de jazz de um conservatório americano (papel executado, com maestria,
por JK Simmons), estabelece com os músicos que estão sob sua batuta. Ele
acredita em perfeição através da superação dos limites e, para isso, vale tudo:
humilhação, violência física e todo tipo de autoritarismo, a que seus músicos
acabam se submetendo pela suposta chance de despontarem como um melhor do mundo. Num momento em que
ser estrela parece ser sempre muito mais promissor do que ser constelação, não
é de se espantar com a sedução que Fletcher exerça sobre os músicos em formação - ainda
que o exemplo que utilize constantemente seja o de Charlie Parker, cujo fim foi
precoce e trágico, apesar de nos ter deixado um legado genial com sua música.
O
ponto alto do filme, a meu ver, é o encontro do jovem solitário e inseguro
baterista, Andrew (personagem que, com certeza, marcará a carreira de Milles
Teller), com o impiedoso Fletcher. O encontro dos anseios de ambos, de suas
inseguranças, suas crenças (ou falta delas), um encontro de química explosiva
que nos tira o fôlego e traz a (excelente, diga-se de passagem) trilha sonora
para um outro lugar, para o lugar de personagem central e não apenas de pano de
fundo. Vale à pena a experiência! Vale, também, pensar o que queremos levar ou
deixar dessa/nessa nossa experiência de vida passageira! No meu caso, fico
ainda a pensar: Por que os filmes dos diretores, nada veteranos, Damien e Demian
tocaram tão fundo, tão mais fundo ou de uma forma tão diferente? Até agora,
na minha opinião, as estatuetas de melhores filmes, deste ano, deveriam ir para eles.
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