Acima das Nuvens
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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Há 20 anos, o diretor Wilhelm Melchior teria dado
um voto de confiança à uma jovem e desconhecida atriz e, assim, mudado o rumo da vida
dela. Maria Enders (mais uma brilhante atuação de Juliette Binoche) tornara-se,
a partir daí, uma atriz de fama internacional
e seu papel como Sigrid (personagem de Melchior que lhe rendeu fama e
sucesso) jamais fora esquecido. Sigrid é (pois personagens não envelhecem, já
que têm seu tempo congelado no roteiro para o qual foram inventados) uma
estagiária cujo poder de sedução, assim como, sua liberdade de atos e gestos, encantam a chefe
de meia idade, Helena, que logo se percebe apaixonada pela jovem e totalmente entregue àquela relação. É nesse imbricado de relações que se desenvolve o roteiro de Acima das Nuvens (Olivier Assayas, 2015).
Atualmente, a “eterna” Sigrid, Maria Enders, continua linda e
admirada aos 40 anos, contudo, já não mais tão livre para ser/ter/querer
qualquer coisa, como há 20 anos atrás. Em meio a um processo de divórcio e
múltiplas escolhas profissionais pautadas pelas convicções que construiu ao
longo do tempo, a vida de Maria é abalada por um convite que acontece no
momento em que tem conhecimento da morte de Melchior: entrar em cena,
novamente, na peça que transformou sua vida, mas, agora, como Helena.
O convite vem de um jovem talento na
dramaturgia que também já teria escolhido sua Sigrid, a impetuosa e já inserida
no universo da exposição e dos escândalos das celebridades, JoAnn (Chloë Grace
Moretz). O cenário é outro, num outro momento histórico. Mas, Maria ainda faz
parte dele, só que num outro lugar, de um outro jeito, numa nova beleza ou
“jeito de corpo” (para caetanear, nessa altura do texto). É na intimidade da relação
com sua jovem e dedicada assistente, Val (Kristen Stewart) que Maria vai elaborando essa mudança de
papel, não sem sofrimento ou resistência.
Um filme denso, às vezes tenso, mas, sempre,
muito delicado, apesar de nada sutil. Nos leva a pensar sobre o que queremos
dizer quando usamos a expressão “no meu tempo”, já que não somos personagens
congelados em roteiros escritos por outrem, em algum tempo e algum lugar. Para
nós, existe vida após o fechar das cortinas. Os personagens e histórias que as
artes estão sempre nos oferecendo para dar contorno e palavra necessários às nossas
experiências no mundo, estarão, a todo momento, enfrentando o desafio de se
reposicionarem em tramas nas quais novos personagens e suas histórias entram
fazendo barulho dentro da gente e de nossa existência. “Para mim”, diz Val à
Maria, “Helena e Sigrid são a mesma pessoa” e eu, completaria dizendo, “ou
estão na mesma pessoa”. Também para Val, talvez Helena não tenha se suicidado
sem Sigrid, o texto apenas diz que ela sumiu. Quem sabe para se reinventar em
outro lugar, com outros personagens? O melhor, no recurso que as artes nos oferecem,
é sempre poder deixar viva a pergunta: “e por que não?”.
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