sábado, 27 de dezembro de 2014

De volta ao País das Maravilhas


De volta ao País das Maravilhas
Por Ana Lucia Gondim Bastos
novo endereço do blog: https://tecendoatrama.wordpress.com/ 
A ideia da continuidade entre realidades internas e externas, por estas não possuírem uma fronteira linear e rigidamente demarcada, é uma constante nos filmes de Tim Burton (como numa fita de Möbius, que ao ser torcida antes de ter as pontas ligadas, produz uma curva fechada com um único lado).
A história de uma Alice que volta, aos 19 anos, ao País das Maravilhas, lugar visitado algumas vezes durante a infância e que sempre deixou dúvida quanto a dimensão na qual existia, nos faz conhecer as imagens de Tim Burton para os personagens criados por Lewis Carrol (1864), em seu romance, inicialmente, intitulado Alice’s Adventures Underground (título que me parece bem mais adequado às apropriações Burtinianas).
No momento em que Alice parece ter um único caminho a seguir, caminho pré estabelecido socialmente como evidência de sucesso na vida – qual seja, o caminho do casamento que, para ela, não parecia nem muito animador, nem fonte de projetos estimulantes -  a personagem não vê outra solução ou remédio a não ser a de pedir um tempo para se ausentar dos olhares de todos que aguardam ansiosos por mais esse SIM, que não abalará certezas ou colocará em xeque o status quo. Um tempo para mergulhar no buraco do coelho mediador entre os mundos (o de dentro e o de fora), mergulho que a fará conhecer as forças ambivalentes em jogo em todas as nossas decisões, sempre acompanhada pelo chapeleiro maluco, aquele não tem medo de perder a cabeça e, portanto, não precisa fingir ser quem não é para fazer parte da corte. É, essa é a aventura de todo processo decisório maduro e que nos leva a caminhos de realizações significativas em nossas histórias. Como em toda aventura, é preciso enfrentar monstros e reconhecer limites, desejos e possibilidades – o que nos faz nos perceber potentes para algumas mudanças e conformados com algumas impossibilidades impostas, seja pelo princípio da realidade, seja por termos nos tornado aquela pessoa e não outra. Tudo isso requer muita força e abertura para, por vezes, descobrir que a resposta será outra, além da esperada por todos e, em alguma medida, por nós mesmos. É claro que sempre é mais tranquilo quando queremos o que é esperado de nós, mas, também é evidente que nem sempre isso é possível! O buraco do coelho da Alice é um lugar que todos nós conhecemos e está à nossa disposição. Para quem  resiste em revisita-lo, desde a infância, sugiro que não perca a próxima oportunidade! As decisões que tomamos depois dessas empreitadas são sempre muito mais fáceis de nos satisfazerem pelo simples fato de nos responsabilizarmos por elas de forma particular. Vale conferir!

domingo, 21 de dezembro de 2014

Boyhood ou sobre o momento que o elenco principal vira plateia


Boyhood ou sobre o momento que o elenco principal vira plateia
                                                                                                Por Ana Lucia Gondim Bastos
novo endereço do blog: https://tecendoatrama.wordpress.com/ 
É curioso perceber o momento no qual as crianças, que vimos crescer, passam a protagonizar suas vidas de forma mais autônoma. É como se fizéssemos parte de um elenco principal ou da equipe de direção de uma produção que , de certa forma,  traça os caminhos e escolhe cenários para que as histórias das crianças aconteçam. Contudo, numa certa etapa da história, você, junto com todo o elenco principal, passa a servir apenas como elenco de apoio, pois as crianças viram jovens que já podem traçar e escolher os tais caminhos e cenários por onde querem que suas histórias aconteçam e, então, os principais jogadores do campeonato, viram torcida. Ë mesmo, uma mudança de perspectiva, muitas vezes, difícil de engolir, mas extremamente saborosa para quem não resiste a ela, a despeito da dificuldade.
Durante 12 anos, a equipe responsável pelo filme Boyhood (2014), sob a direção de Richard Linklater , se reuniu, anualmente, para gravar um filme que contaria a história do cotidiano de um menino americano. No roteiro, nenhum clímax, ponto central ou momento de virada. Isso não quer dizer que, no curso da narrativa, não acompanhemos mudanças de cidade,  estabelecimento e rompimento de laços afetivos e tudo mais que todo tecido de vida tem. Ë uma vida sendo vivida na tela, enquanto, fora dela, atores vão envelhecendo e hábitos culturais vão se alterando. Essa é a graça (ou a falta dela, na opinião de alguns) do filme cujo protagonista adora Harry Potter (personagem que também nos fez acompanhar o envelhecimento de todo um elenco, durante anos. Só que , nesse caso, com um filme por ano e com histórias fantásticas). Impossível para o espectador de Boyhood, em algum dos 166 minutos do filme, não se perguntar como vai acabar, já que não tem o que se resolver naquele roteiro, além da própria vida que vai se resolvendo, do jeito que dá, enquanto ela não acaba. E aí talvez esteja o ponto alto do filme e da ideia que o fez existir: o filme acaba quando a meninice de Mason acaba e ele tem (e quer) que seguir fazendo suas escolhas  de forma autônoma. Momento que novo elenco teria que ser contratado, para se continuar o filme, pois papéis sociais foram alterados.
O que mais me emocionou, contudo, não foi exatamente o filme, mas o que ele promoveu: fui assisti-lo por indicação de uma jovem, que nasce este ano como cineasta, e de quem acompanhei a meninice. Ela deixou uma mensagem de Whatsapp para mim, dizendo que eu não poderia deixar de assistir àquele filme tão delicado e que falava tanto de sua escolha pelo cinema. E eu, ao final do filme, entendi tudo: mais uma vez, meu ingresso na história passa para um lugar na plateia e isso, é delicado e belo, mesmo, Gabi! Boa sorte!