Boyhood ou sobre o momento que o elenco principal vira plateia
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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É curioso perceber o momento no qual
as crianças, que vimos crescer, passam a protagonizar suas vidas de forma mais
autônoma. É como se fizéssemos parte de um elenco principal ou da equipe de
direção de uma produção que , de certa forma,
traça os caminhos e escolhe cenários para que as histórias das crianças
aconteçam. Contudo, numa certa etapa da história, você, junto com todo o elenco
principal, passa a servir apenas como elenco de apoio, pois as crianças viram
jovens que já podem traçar e escolher os tais caminhos e cenários por onde
querem que suas histórias aconteçam e, então, os principais jogadores do
campeonato, viram torcida. Ë mesmo, uma mudança de perspectiva, muitas vezes,
difícil de engolir, mas extremamente saborosa para quem não resiste a ela, a
despeito da dificuldade.
Durante 12 anos, a equipe
responsável pelo filme Boyhood (2014), sob a direção de Richard Linklater , se
reuniu, anualmente, para gravar um filme que contaria a história do cotidiano
de um menino americano. No roteiro, nenhum clímax, ponto central ou momento de
virada. Isso não quer dizer que, no curso da narrativa, não acompanhemos
mudanças de cidade, estabelecimento e
rompimento de laços afetivos e tudo mais que todo tecido de vida tem. Ë uma
vida sendo vivida na tela, enquanto, fora dela, atores vão envelhecendo e
hábitos culturais vão se alterando. Essa é a graça (ou a falta dela, na opinião
de alguns) do filme cujo protagonista adora Harry Potter (personagem que também
nos fez acompanhar o envelhecimento de todo um elenco, durante anos. Só que ,
nesse caso, com um filme por ano e com histórias fantásticas). Impossível para
o espectador de Boyhood, em algum dos 166 minutos do filme, não se perguntar
como vai acabar, já que não tem o que se resolver naquele roteiro, além da
própria vida que vai se resolvendo, do jeito que dá, enquanto ela não acaba. E
aí talvez esteja o ponto alto do filme e da ideia que o fez existir: o filme
acaba quando a meninice de Mason acaba e ele tem (e quer) que seguir fazendo
suas escolhas de forma autônoma. Momento
que novo elenco teria que ser contratado, para se continuar o filme, pois
papéis sociais foram alterados.
O que mais me emocionou, contudo,
não foi exatamente o filme, mas o que ele promoveu: fui assisti-lo por
indicação de uma jovem, que nasce este ano como cineasta, e de quem acompanhei
a meninice. Ela deixou uma mensagem de Whatsapp para mim, dizendo que eu não
poderia deixar de assistir àquele filme tão delicado e que falava tanto de sua
escolha pelo cinema. E eu, ao final do filme, entendi tudo: mais uma vez, meu
ingresso na história passa para um lugar na plateia e isso, é delicado e belo,
mesmo, Gabi! Boa sorte!
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