segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

LOLITA


LOLITA
Por Ana Lucia Gondim Bastos
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Ainda não havia lido o livro de Nabokov (1955), tampouco assistido às produções cinematográficas baseadas em seu texto (Stanley Kubrick, 1962 ou Adrian Lyne, 1998), apesar de saber da existências das obras. Tinha, apenas, a informação, bastante difundida e já de apropriação popular, que o nome Lolita  passara a servir para adjetivar adolescentes sexualmente precoces e provocantes, em função da protagonista dessa história. Há pouco peguei o filme para assistir, no caso o de Kubrick, e fiquei bastante surpresa com as impressões que tive sobre o roteiro.
Lolita, apelido de Dolores Haze, bela adolescente, órfã de pai há sete anos , vivia só com a romântica mãe, Charlotte, que sonhava em voltar a ter um companheiro. Era uma adolescente como tantas outras, em situações análogas. Sem a figura paterna desde os 5 anos e com a sexualidade adolescente aflorando, além do exibicionismo, da beleza e do frescor, característicos dessa fase da vida, se interessava, especialmente, por chamar a atenção de homens mais velhos. Isso gerava uma dinâmica familiar tensa, ainda mais somado à  uma competição com a mãe que era agravada pela busca ansiosa de Charlotte por  possíveis pretendentes. Contudo, as coisas começam a piorar e a ganhar tom de suspense, quando um professor quase quarentão, decide alugar um quarto na casa da dupla, já por conta de um encantamento pela adolescente. Encantamento este que tomará proporções fora de controle e de qualquer registro de razoabilidade, quando, por exemplo, casa-se com Charlotte para estar mais perto de Lolita ou planeja formas de se livrar de Charlotte para se manter, a sós, na casa com Lolita. Na narrativa, a perspectiva do professor Humbert é a privilegiada, então, fica fácil para o espectador ter justificado o encantamento do professor por uma e sua impaciência com a outra. Mas, no decorrer do filme, a paixão doentia vai ficando evidente, inclusive, para os personagens envolvidos na trama. Humbert, depois da morte de Charlotte, tenta blindar Lolita do mundo, busca desesperadamente suprir todas as suas demandas e ser o único alvo de desejo da bela e, obviamente, imatura moça. Assim, presa numa dinâmica familiar incestuosa, a adolescente tem poucas chances de relações saudáveis com o resto do mundo e vive a ambivalência entre querer e não querer escapar daquela situação, difícil de se imaginar sem desfecho trágico!
Sem dúvida, a trama é um “prato cheio” para um roteiro cinematográfico, ainda mais nas mãos de um cineasta como Kubrick que mostrou ter grande apreço por esse tipo de suspense psicológico, ao longo de toda a sua filmografia. Contudo, o que mais me surpreendeu foi o peso que Lolita ainda hoje carrega nas costas. Pouco, ou nada, se fala da loucura de Humbert que recai sobre a vida de Lolita. Ela continua sendo aquela que seduz e tira o juízo dos homens. Nunca ouvi falar da desproteção da qual era vítima, desde o início da trama e que vai se agravando no decorrer da narrativa.
Acho que isso se deve, em grande medida, à concepção machista e patriarcal, organizadora e mantenedora de todo um status quo que até hoje se sustenta em nossa sociedade ocidental, que  coloca uma clara oposição ente o caminho virtuoso da mulher que se dedica à maternidade e as possibilidades de experiências eróticas femininas. A mulher desejante, portanto, aproxima-se à figura do mal, do perigo e da dominação diabólica e desse julgamento não escapam nem as adolescentes! Talvez, Lolita seja  uma dessas figuras que continuamos permitindo que sejam queimadas vivas ou apedrejadas em praça pública como exemplo do que acontece com mulheres que possam colocar em risco os imperativos de tal ordem patriarcal. Injustiça com ela, representante de tantas mulheres e adolescentes e, num aspecto diferente, com Humbert que, em termos de construção de personagem, é riquíssimo e acaba sendo pouco discutido.

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