LOLITA
Por Ana Lucia Gondim
Bastos
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Ainda não
havia lido o livro de Nabokov (1955), tampouco assistido às produções
cinematográficas baseadas em seu texto (Stanley Kubrick, 1962 ou Adrian Lyne,
1998), apesar de saber da existências das obras. Tinha, apenas, a informação,
bastante difundida e já de apropriação popular, que o nome Lolita passara a servir para adjetivar adolescentes
sexualmente precoces e provocantes, em função da protagonista dessa história.
Há pouco peguei o filme para assistir, no caso o de Kubrick, e fiquei bastante
surpresa com as impressões que tive sobre o roteiro.
Lolita,
apelido de Dolores Haze, bela adolescente, órfã de pai há sete anos , vivia só
com a romântica mãe, Charlotte, que sonhava em voltar a ter um companheiro. Era
uma adolescente como tantas outras, em situações análogas. Sem a figura paterna
desde os 5 anos e com a sexualidade adolescente aflorando, além do exibicionismo, da beleza e do frescor, característicos dessa fase da vida, se
interessava, especialmente, por chamar a atenção de homens mais velhos. Isso
gerava uma dinâmica familiar tensa, ainda mais somado à uma competição com a mãe que era agravada
pela busca ansiosa de Charlotte por possíveis pretendentes. Contudo, as coisas
começam a piorar e a ganhar tom de suspense, quando um professor quase
quarentão, decide alugar um quarto na casa da dupla, já por conta de um
encantamento pela adolescente. Encantamento este que tomará proporções fora de controle
e de qualquer registro de razoabilidade, quando, por exemplo, casa-se com
Charlotte para estar mais perto de Lolita ou planeja formas de se livrar de
Charlotte para se manter, a sós, na casa com Lolita. Na narrativa, a
perspectiva do professor Humbert é a privilegiada, então, fica fácil para o
espectador ter justificado o encantamento do professor por uma e sua impaciência
com a outra. Mas, no decorrer do filme, a paixão doentia vai ficando evidente,
inclusive, para os personagens envolvidos na trama. Humbert, depois da morte de
Charlotte, tenta blindar Lolita do mundo, busca desesperadamente suprir todas
as suas demandas e ser o único alvo de desejo da bela e, obviamente, imatura moça.
Assim, presa numa dinâmica familiar incestuosa, a adolescente tem poucas
chances de relações saudáveis com o resto do mundo e vive a ambivalência entre
querer e não querer escapar daquela situação, difícil de se imaginar sem
desfecho trágico!
Sem
dúvida, a trama é um “prato cheio” para um roteiro cinematográfico, ainda mais
nas mãos de um cineasta como Kubrick que mostrou ter grande apreço por esse
tipo de suspense psicológico, ao longo de toda a sua filmografia. Contudo, o
que mais me surpreendeu foi o peso que Lolita ainda hoje carrega nas costas.
Pouco, ou nada, se fala da loucura de Humbert que recai sobre a vida de Lolita.
Ela continua sendo aquela que seduz e tira o juízo dos homens. Nunca ouvi falar
da desproteção da qual era vítima, desde o início da trama e que vai se
agravando no decorrer da narrativa.
Acho que isso se deve, em grande medida, à concepção
machista e patriarcal, organizadora e mantenedora de todo um status quo que até
hoje se sustenta em nossa sociedade ocidental, que coloca uma clara oposição ente o caminho
virtuoso da mulher que se dedica à maternidade e as possibilidades de experiências
eróticas femininas. A mulher desejante, portanto, aproxima-se à figura do mal,
do perigo e da dominação diabólica e desse julgamento não escapam nem as adolescentes! Talvez,
Lolita seja uma dessas figuras que
continuamos permitindo que sejam queimadas vivas ou apedrejadas em praça
pública como exemplo do que acontece com mulheres que possam colocar em risco
os imperativos de tal ordem patriarcal. Injustiça com ela, representante de
tantas mulheres e adolescentes e, num aspecto diferente, com Humbert que, em termos
de construção de personagem, é riquíssimo e acaba sendo pouco discutido.
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