Quando Meus Pais não
estão em casa: bom filme para se assistir no dia do trabalho
(para Ilza, pela parceria)
Por Ana Lucia Gondim Bastos
novo endereço do blog: https://tecendoatrama.wordpress.com/
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A participação da babá na formação
de uma criança é, quase sempre, bem menosprezada. Aliás, mais frequente é a
desconfiança em relação aos bons hábitos e bons tratos que elas (sim, quase
sempre mulheres) possam vir a oferecer às crianças pelas quais se
responsabilizarão quando os pais não estão em casa. Geralmente as
justificativas de tal descrédito se apoiam em histórias particulares de maus
tratos infantis, descobertos posteriormente. Contudo, acredito que o peso maior
resida em nossas tradições escravocratas, que fazem com que deleguemos os cuidados para com quem/ o que nos é mais caro e íntimo
(nossa casa, nossos filhos etc.) a pessoas as quais desconsideramos o valor,
por (ou para) nos sentirmos superiores. Mas, o fato é que, mesmo depois que as
sinhás passaram a amamentar seus próprios filhos, temos gerações de crianças embaladas
por babás que, muitas vezes, trazem novas e importantes referencias para toda a
família, para quem trabalha. Hoje, já não
mais “mães pretas”, e cada vez com mais direitos e deveres bem estabelecidos,
como qualquer outro profissional, as babás participam da educação das crianças de forma cuja
relevância é difícil questionar.
O filme Singapurense de Anthony Chen
(2015), fala disso de modo muito delicado. Conta a história de uma família de
classe média, com um filho de dez anos e outro a caminho, que resolve contratar
uma filipina para ser empregada doméstica e cuidar do irascível Lim, quando os pais não estão em
casa. Em meio a tensões de quem vive em um país em crise econômica, trabalhos
exigentes e à espera por mais um filho, o casal pouco se comunica, fato
agravado pela necessidade de estarem sempre tendo que se haver com problemas e
reclamações provenientes de comportamentos de Lim. A criança é porta voz desse
estado explosivo que a família tenta conter, mas, claro, difícil perceber: ele
parece, apenas, uma típica “criança problema”. Num primeiro momento, como era
de se esperar, a babá é mais um alvo da agressividade de Lim, mais uma
representante de um mundo que parece não lhe caber e, ainda por cima, representante que precisa
dormir no seu quarto, tomar seus espaços. Mas, é com a presença dela que Lim
começa a ter quem o acompanhe mais de perto, conheça seu cotidiano, suas dificuldades e
conquistas. Terry, a filipina, entra na família, abrindo uma janela,
desnaturalizando seu modus vivendi. Por exemplo, em determinado momento Lim
pergunta sobre o seu filho que ficou nas Filipinas e se surpreende ao saber que
Terry havia deixado um bebê, para ir trabalhar em Singapura. Ela, então,
pergunta o que faz a mãe de Lim ao contratar uma estranha para cuidar dele
enquanto sai para trabalhar. Lim fica pensativo e vai valorizando e respeitando
cada vez mais a presença e o trabalho de Terry. Vai, também, mudando de
atitude, como acontece com todos aqueles que se dispõem a pensar. Assim, aos
poucos, Terry vai aparecendo no filme como uma pessoa inteira, cheia de sonhos, dores, preocupações
e histórias. Vai saindo do lugar da invisibilidade social, da “sombra” que
acompanha a criança. Sai da condição de um ser sem rosto e sem voz, alguém que
se pode negar a existência, quando assim parece oportuno aos patrões. Isso não só
para Lim, mas para seus pais, também.
Acho uma reflexão importante,
pensarmos sobre o lugar da empregada doméstica na família para a qual trabalha
e, em particular, o da babá. Trabalhadores – ainda em sua esmagadora maioria
mulheres - tão importantes, que agregam sentidos e influenciam na cultura familiar
(através dos temperos, das músicas ou das conversas acerca de suas realidades
tão díspares às dos seus patrões), são, tantas vezes, menosprezados. Pessoas
que precisam ser empoderadas, não só para se sentirem tão merecedoras de
direitos humanos e, portanto também os trabalhistas, como qualquer um, mas,
principalmente, para (re)conhecer o valor do seu trabalho e poder fazê-lo com
brilho no olho. Aquele brilho que só tem quem confia que tem um fazer
transformador de realidades. Com certeza, todos saíram ganhando com isso!
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