Rubem Alves e a arte de fabricar pérolas
Por Ana Lucia Gondim Bastos
Por Ana Lucia Gondim Bastos
Para Juliana Felipe e
Fernanda Gonzalés, com gratidão pelo reconhecimento
Ele dizia que escrevia histórias pelo motivo pelo qual
as ostras fabricavam pérolas. Inevitavelmente, no decorrer de nossa existência,
sejamos ostras ou gente, pequenos grãos
de areia entram, nas conchas ou
narrativas, e ficam nos incomodando,
machucando e nos limitando os movimentos. Incapazes de, simplesmente,
expeli-los, as ostras fabricam pérolas no seu entorno. Nós, seres humanos, precisamos
encontrar nossas formas de cuidar desses incômodos. Tem gente que escreve
história, tem gente que escreve tese, tem gente que faz pesquisa, isso sem
contar com os que fazem comida, constroem casas, bordam toalhas, inventam
geringonças, pintam quadros, tocam instrumentos ou cuidam do jardim (só para
dar uns poucos exemplos de formas de fabricar pérolas, à maneira de gente!). O
ser humano é assim, nunca tem um jeito só de fazer a mesma coisa! O que pode
representar um grão de areia, também varia muito de uma história para a outra
e, para saber o quanto machucam, só mesmo vivendo aquela história. Então, cada
um tem sua narrativa, sua história sendo protagonizada, a partir da qual vão
surgindo seus grãos areia e alternativas de fabricação de pérolas para dar
conta dessas “pedras no sapato”... Cada história é única e irrepetível e,
portanto, para utilizar mais um ditado popular, “cada um sabe onde lhe aperta o
calo”. Por outro lado, como diz Hannah Aredt, ninguém, também, é tão diferente
um do outro. Se fossemos tão diferentes, nossas preocupações com a educação ou
com a história se mostrariam inúteis, pois, se fosse esse o caso, em que nos
interessaria fazer planos para as gerações futuras ou buscar conhecer o legado
de gerações passadas? É por isso que Arendt diz que a condição humana é a de
“paradoxal pluralidade de seres singulares”. Rubem Alves era daquelas pessoas
que não só parecia lidar com essa paradoxalidade com maestria, como também, nos
ajudava a lidar com a nossa! Era assim
que fabricava suas pérolas: ajudando os outros a buscar suas próprias
fábricas. As separações, os preconceitos
e suas manifestações, a arrogância e a falta de escuta para o que o outro tem a
dizer, eram alguns de seus grãos de areia mais trabalhados. E por mais que causassem
dor, eram sempre cuidados com muita delicadeza para que produzissem uma
abertura, em quem fosse ouvir suas histórias, e nunca um rechaçamento
defensivo. Falava de forma mansa, clara e nada arrogante. Essa era a arte de
Rubem Alves, a de nos emocionar com histórias de sementes temerosas a voar com
o vento, de galos que viraram poetas ao se perceberem não responsáveis pelo
nascer do sol, de pássaros encantados e tantos outros personagens tão parecidos
com cada um de nós e ao mesmo tempo tão diferentes... Sinto muita tristeza por
esse fabricador de pérolas de rara beleza ter nos deixado, mas muita gratidão
pela quantidade de fábricas que ele ajudou a construir!
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