domingo, 15 de junho de 2014

Malévola ou o amor verdadeiro não cai do céu

                                  Malévola ou o amor verdadeiro não cai do céu
                                                                     (para Julia Garcez, com amor verdadeiro)
                                                                                    Por Ana Lucia Gondim Bastos
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  O amor verdadeiro existe ou não? Malévola chega a acreditar que não. Ela é vítima da traição do amigo, cuja ambição já os havia separado. Stefan - o amigo que, num primeiro momento, joga longe o anel que poderia machucar a amiga fada e,  anos depois, dá-lhe um beijo que diz ser expressão de amor verdadeiro – não é capaz de matá-la para conseguir a coroa sonhada, mas é capaz de a mutilar, condenando-a a nunca mais alçar voo. Malévola, nesse percurso, perde mais que asas, perde a esperança, a alegria e a fé nas relações. Se cerca de espinhos e transborda de dor e ódio. É dela que vem a maldição que fará a princesa Aurora dormir o sono eterno, ao completar 16 anos (a mesma idade de Malévola quando esta achou ter conhecido o beijo do amor verdadeiro). Também é dela a profecia que essa maldição só poderia ser quebrada com um beijo fruto do tal amor verdadeiro, antidoto à existência desacreditada. Mas é Stefan que definha sem poder lidar com os lugares para os quais sua ambição o levou. O menino que joga o anel de ferro (que queima as fadas) longe para proteger sua amiga, termina o filme com uma armadura de ferro cobrindo-lhe o corpo inteiro, armado até os dentes. Um homem que foi se distanciando de sua capacidade de amar, de oferecer porto seguro e de aceitar gestos de carinho e generosidade. Seu propósito de vida era morar no castelo e o preço pago seria se encastelar narcisicamente, se protegendo do contato, levantando muros para toda a afetividade que pudesse atrapalhar este seu propósito.  O amor, e a consequente percepção da importância do outro em nossa vida, não nos permite pagar qualquer preço por ganhos narcísicos e Stefan, então, não podia cultivar tal sentimento. Precisava, sim, se defender desse sentimento que o tornava mais vulnerável, depois, precisou se defender de toda a culpa por tudo o que precisou ocasionar para atingir seu objetivo, e muros cada vez mais altos foram se erguendo, e o ódio cada vez mais projetado para fora de seu encastelamento narcísico: Malévola foi o alvo da traição e, depois, do ódio projetado. Nessa relação apaixonada que fez um viver para o outro durante muito tempo (seja para a vingança, seja para dar vazão ao ódio), abre-se uma brecha, pelo menos para Malévola, com a entrada de um terceiro personagem: a princesa Aurora. Malévola acompanha o crescimento de Aurora e os cuidados que começa a oferecer à pequena princesa vão distraindo- a de seu ódio. Um corvo, que se torna fiel a ela, também vai fazendo com que, aos poucos e sem que ela possa se dar conta num primeiro momento, Malévola vá construindo relações amorosas e, na contramão do que vai acontecendo com Stefan, vá se desarmando para o outro e, consequentemente, para o amor.
Mas, o amor tratado aqui, não é o amor romântico, aquele amor à primeira vista, aquele amor de alma gêmea. Trata-se de um amor fruto de uma construção que precisa de tempo e espaço para acontecer. Realiza-se mediante a trocas significativas de cuidados, ideias e afeto, entre as pessoas. Acontece de maneira dialógica e numa narrativa e, portanto, exige convivência, exige tolerância e exige disponibilidade e abertura para o outro. É esse amor que Malévola volta a sentir e que lhe devolve as asas, a alegria e a esperança. É desse amor que Stefan se distancia de um jeito tal que nem ao menos lhe permite alegrar-se com o reencontro com sua filha. Finalmente, às nossas crianças e adolescentes não é apresentada uma versão da vida na qual a princesa espera, deitada e de olhos fechados, que algum príncipe se encante com sua beleza e a beije transbordante de amor verdadeiro.  O amor verdadeiro é construído, cultivado e conquistado e, o mais importante, não é privilégio de pares românticos. No último desenho da Disney – Frozen – o amor entre as irmãs foi o que as salvou para uma vida livre do gelo que as imobilizava. Agora, o filme Malévola trata do amor de quem cuida, acompanha e vê crescer, desmistificando a naturalização, inclusive, do amor materno/paterno.
Malévola que, enfim, volta a acreditar no amor verdadeiro, só nos ajuda a não nos convencermos mais de que este cai do céu!
E para quem ficou curioso onde é que o bonitinho do príncipe Philip entra nessa história: entra com a princesa Aurora Já acordada e com muita vontade de conhecê-lo melhor!
                                


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