Malévola ou o amor verdadeiro não cai do céu
(para Julia Garcez, com amor verdadeiro)
Por Ana Lucia Gondim Bastos novo endereço do blog: https://tecendoatrama.wordpress.com/
O amor verdadeiro existe ou não? Malévola chega a acreditar que não.
Ela é vítima da traição do amigo, cuja ambição já os havia separado.
Stefan - o amigo que, num primeiro momento, joga longe o anel que
poderia machucar a amiga fada e, anos depois, dá-lhe um beijo que diz
ser expressão de amor verdadeiro – não é capaz de matá-la para conseguir
a coroa sonhada, mas é capaz de a mutilar, condenando-a a nunca mais
alçar voo. Malévola, nesse percurso, perde mais que asas, perde a
esperança, a alegria e a fé nas relações. Se cerca de espinhos e
transborda de dor e ódio. É dela que vem a maldição que fará a princesa
Aurora dormir o sono eterno, ao completar 16 anos (a mesma idade de
Malévola quando esta achou ter conhecido o beijo do amor verdadeiro).
Também é dela a profecia que essa maldição só poderia ser quebrada com
um beijo fruto do tal amor verdadeiro, antidoto à existência
desacreditada. Mas é Stefan que definha sem poder lidar com os lugares
para os quais sua ambição o levou. O menino que joga o anel de ferro
(que queima as fadas) longe para proteger sua amiga, termina o filme com
uma armadura de ferro cobrindo-lhe o corpo inteiro, armado até os
dentes. Um homem que foi se distanciando de sua capacidade de amar, de
oferecer porto seguro e de aceitar gestos de carinho e generosidade. Seu
propósito de vida era morar no castelo e o preço pago seria se
encastelar narcisicamente, se protegendo do contato, levantando muros
para toda a afetividade que pudesse atrapalhar este seu propósito. O
amor, e a consequente percepção da importância do outro em nossa vida,
não nos permite pagar qualquer preço por ganhos narcísicos e Stefan,
então, não podia cultivar tal sentimento. Precisava, sim, se defender
desse sentimento que o tornava mais vulnerável, depois, precisou se
defender de toda a culpa por tudo o que precisou ocasionar para atingir
seu objetivo, e muros cada vez mais altos foram se erguendo, e o ódio
cada vez mais projetado para fora de seu encastelamento narcísico:
Malévola foi o alvo da traição e, depois, do ódio projetado. Nessa
relação apaixonada que fez um viver para o outro durante muito tempo
(seja para a vingança, seja para dar vazão ao ódio), abre-se uma brecha,
pelo menos para Malévola, com a entrada de um terceiro personagem: a
princesa Aurora. Malévola acompanha o crescimento de Aurora e os
cuidados que começa a oferecer à pequena princesa vão distraindo- a de
seu ódio. Um corvo, que se torna fiel a ela, também vai fazendo com que,
aos poucos e sem que ela possa se dar conta num primeiro momento,
Malévola vá construindo relações amorosas e, na contramão do que vai
acontecendo com Stefan, vá se desarmando para o outro e,
consequentemente, para o amor.
Mas, o amor tratado aqui, não é o
amor romântico, aquele amor à primeira vista, aquele amor de alma gêmea.
Trata-se de um amor fruto de uma construção que precisa de tempo e
espaço para acontecer. Realiza-se mediante a trocas significativas de
cuidados, ideias e afeto, entre as pessoas. Acontece de maneira
dialógica e numa narrativa e, portanto, exige convivência, exige
tolerância e exige disponibilidade e abertura para o outro. É esse amor
que Malévola volta a sentir e que lhe devolve as asas, a alegria e a
esperança. É desse amor que Stefan se distancia de um jeito tal que nem
ao menos lhe permite alegrar-se com o reencontro com sua filha.
Finalmente, às nossas crianças e adolescentes não é apresentada uma
versão da vida na qual a princesa espera, deitada e de olhos fechados,
que algum príncipe se encante com sua beleza e a beije transbordante de
amor verdadeiro. O amor verdadeiro é construído, cultivado e
conquistado e, o mais importante, não é privilégio de pares românticos.
No último desenho da Disney – Frozen – o amor entre as irmãs foi o que
as salvou para uma vida livre do gelo que as imobilizava. Agora, o filme
Malévola trata do amor de quem cuida, acompanha e vê crescer,
desmistificando a naturalização, inclusive, do amor materno/paterno.
Malévola que, enfim, volta a acreditar no amor verdadeiro, só nos ajuda a não nos convencermos mais de que este cai do céu!
E
para quem ficou curioso onde é que o bonitinho do príncipe Philip entra
nessa história: entra com a princesa Aurora Já acordada e com muita
vontade de conhecê-lo melhor!
Nenhum comentário:
Postar um comentário