Notas sobre uma visita à
Bienal do Livro de 2014
Por Ana Lucia
Gondim Bastos
Tenho
como programação obrigatória, há muitos anos, pelo menos uma visita à cada
Bienal do Livro. O encontro marcado com autores como Ziraldo e Maurício de
Sousa faz parte da minha agenda, de dois em dois anos, há, pelo menos 33 anos!
A alegria, a simpatia e o entusiasmo com os quais recebem as crianças de todas
as idades, é de comover! São milhares de meninos maluquinhos, de meninas
maluquinhas e de professoras bem maluquinhas, isso sem contar com as vovós
delícias, meninos marrons e toda aquela gente que se sente parte integrante da
Turma da Mônica (com todo o direito de se sentir, diga-se de passagem)
encontrando com os autores que, com certeza, só podem ter escrito aquelas histórias
todas pensando em cada um deles! “Ele só pode conhecer a minha avó, para
inventar uma personagem tão parecida com ela”, pensa um menino maluquinho
qualquer. Outro tem a certeza de que ele entrou no sonho dele para recolher um
tanto de outras histórias. Uma Julieta bem maluquinha - que talvez se chame
Magda, Fernanda ou Jasmin – pensa que aquela personagem que é a amiga Carolina, certamente, foi inspirada
na Roberta do sétimo ano C, da escola onde estuda. E assim a gente vai
misturando os nossos personagens aos deles e nos tornando, todos, parte de uma
grande família! Família que conta um monte de fatos engraçados na fila dos
autógrafos, que guarda lugar uns pros outros quando dá vontade de ir ao
banheiro ou beber água quando a fila demora (e a fila demora sempre, porque os
autores precisam dar a atenção devida às verdadeiras inspirações para suas histórias,
que somos todos nós!). E o Ziraldo canta músicas para as Lauras e escreve Vivas
antes dos nomes das dedicatórias e faz o Raul descobrir que o inverso de seu
nome é Luar, e diz se impressionar como Julia cresceu, além de desenhar ondas
do mar nos emes das Marianas, flores nos efes das Floras e tantas outras
delicadezas que deixam todo mundo com o peito cheio de orgulho por seu um
menino maluquinho ou uma menina maluquinha de nascença (sim, porque boa parte
deles já tiveram seus pais meninos e meninas maluquinh@s). São encontros
saudáveis e muito alegres... encontros que fazem sonhar e que ampliam a vontade
de criar e de conhecer muitos outros personagens e muitos outros textos de
muitos outros autores que, generosamente, deixam as histórias que trazem na
cachola escorregarem para o papel, para compartilhar com quem quiser!
Nesta
Bienal, entretanto, presenciei, também, um outro tipo de encontro entre autores
e seus leitores. Estes últimos me entristeceram e me preocuparam. Era uma
legião de adolescentes que, aos gritos, se debatia para chegar mais perto das
autoras dos livros que as jovens sacudiam freneticamente com braços levantados
para cima. Algumas choravam, também aos gritos. Me senti presenciando uma catarse
coletiva que pouco combinava com a ideia de mergulho na leitura, que eu nutrira
até aquele dia. Foi quando uma mãe me explicou: “minha filha devora livros de
500 páginas!”. Quer dizer que aquilo tudo está num registro semelhante ao dos
transtornos alimentares? As autoras, em particular uma autora, contava até três
para que suas fãs se manifestassem estrionicamente, enquanto ela filmava ou
fotografava aquele mar revolto de braços descoordenados. O objetivo, dizia a
programação, era de um “papo de meninas”, mas não consigo imaginar que bate
papo poderia sair dali. Que tipo de reflexão aquelas muitas páginas poderiam ter
suscitado? Pra que tipo de devaneios poderiam ter levado cada uma daquelas muitas
leitoras? Confesso que não fiquei para testemunhar o tal bate papo, pois estava
muito descrente em seu potencial enriquecedor para me deter por mais tempo
àquele espetáculo. Ainda bem! Pois, assim, consegui chegar a tempo de ouvir
duas encantadoras histórias contadas pela talentosa Kiara Terra. Foi lindo ver
gente grande e gente pequena gargalhando com suas encenações, transformando
significados e produzindo novos sentidos, enquanto manipulava objetos do dia a
dia que viravam pessoas, bichos, doces, ou qualquer outra coisa que ela
propusesse, ali bem na nossa frente e só usando o poder da nossa própria
imaginação! Isso mesmo, era a mágica de verdade, bem diante dos nossos olhos!
Ao contrário dos semi deuses e seus adoradores, Kiara trazia, para esse encontro
com seu público, o encantamento das coincidências das vidas ordinárias. E todo
mundo ria lembrando do dia que teve vontade de fazer o que não devia, admitindo
que nem sempre suas intencionalidades eram tão nobres, lembrando, também, dos
medos e da chuva, das alegrias e das mágoas que fazem parte da história de
todos e de cada um... afinal, ninguém é bailarina do Grande Circo Místico!
Foi
assim que, mais uma vez, o saldo do passeio foi positivo e fico aguardando que venham
as próximas... histórias, bienais e histórias sobre bienais!
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