segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Se Perder para se Achar : notas sobre dois filmes de Sofia Coppola


Se Perder para se Achar :
notas sobre dois filmes de Sofia Coppola

Por Ana Lucia Gondim Bastos
novo endereço do blog: https://tecendoatrama.wordpress.com/ 

Estar perdido na tradução, em espaços onde nada parece fazer muito sentido, ou pelo menos, onde os sentidos que foram atribuídos a cada coisa, até então, parecem perder a potência simbólica. Um momento de busca por códigos e signos cuja familiariadade favoreça o estabelecimento dos novos contornos necessários para que as  ideias e sentimentos suscitados por um novo lugar, um novo momento de vida ou uma nova experiência (ou tudo isso junto), tenham possibilidade de compreensão e compartilhamento.  São momentos (e lugares) de difícil acomodação e de considerável desconforto emocional,  nos quais a falta de contorno também é sentida no aspecto identitário. Num ambiente (situação/lugar ou experiência de vida) novo, no qual nos sentimos (ou efetivamente somos) estrangeiros, somos levados a uma redefinição de valores, de entendimentos e de formas de se tratar ideias, sentimentos e ações. Ou seja, somos levados a uma redefinição de nós mesmos e uma ressignificação da vida, com tudo o que ela comporta! Não é difícil imaginar que esse processo exija um exercício de instrospecção, bastante peculiar, para um reordenamento de nossos repertórios, de tudo o que já sabemos (sobre nós mesmos e sobre o mundo) e tudo o que já vivemos até aquele momento. Esses processos de ressignificação da vida e de nós mesmos - às vezes longos, às vezes dolorosos e sempre, em alguma medida, desconfortáveis – podem ser dificultados, quando a introspecção não é permitida e seu tempo de maturação não pode ser respeitado.  Hannah Arendt, certa vez atentou para a importância da preservação à super exposição, de tudo o que começa a se desenvolver. Para que o novo irrompa , necessita, antes, da segurança da escuridão para, então, orientar-se para a luz (como fazem as plantas, depois que brotam). A autora, referia-se, mesmo, à dificuldade de conciliar, por um lado, a necessidade desse espaço seguro e protegido e, por outro lado, os holofotes da fama. Esse entrelaçamento de temas – dos processos de auto (re)definições e dos assédios do estrelato - volta aos roteiros de Sofia Copola, em “Somewhere”(2010), depois de seu “Encontros e Desencontros” (Lost in Translation, 2003).
 São novas metáforas, novos personagens, novos encontros e desencontros, mas os dois roteiros várias vezes se tocam. Impossível não lembrar dos ajustes toscos do terno que o ator usaria durante a filmagem do comercial em Lost in Translation, quando o (também) ator famoso de Somewhere, desce da plataforma que faz com que as câmaras não mostrem que é mais baixo que a atriz com quem contracenou, no último Blockbuster de Hollywood. Também, a sensação de estranhamento do estrangeiro americano diante da excitação dos apresentadores de shows de auditório de países e línguas distantes, são comuns aos dois filmes (no primeiro japonês e no segundo, italiano). E, também, a dificuldade dessas celebridades falarem sobre si e a dificuldade de seus interlocutores de as ouvirem, por estarem diante de personagens sobre os quais se supõe tudo saber... Isso tudo, sem contar que , nos dois filmes, a trama se desenvolve em torno do encontro transformador com um interlocutor (nos dois roteiros representados por papéis femininos) que são capazes de refletí-los como pessoas perdidas que são/estão, sem projetarem-se maciçamente nos astros de Hollywoody que representam para todo o resto. Aliás, interpretações dignas de nota, no primeiro filme a vizinha de quarto de hotel (também perdida na tradução), interpretada por Scarlett Johansson e no segundo a filha adolescente, interpretada por Elle Fanning (A Bela Adormecida de Malevola).
Não é de se espantar que o primeiro filme tenha sido muito mais badalado e premiado, inclusive pela originalidade no tratamento do tema e consistência da trama, mas, o segundo nos devolve questionamentos importantes que, pelo jeito, Sofia Coppola ainda não sentira esgotado em seu Lost in Translation.  E quem de nós, como nos ensinou Freud, está livre de recordar, repetir para, então, elaborar?

referencias bibliográficas (a quem interessar): Arendt, Hannah – A Crise na Educação In Entre o Passado e o Futuro ;
Freud, S. - Recordar, Repetir e Elaborar (1914) In Obras Completas

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